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O filme “Avatar”, uma reflexão profunda

Rosângela Rossi
Juiz de Fora



Desde os três anos fui educada por meu avô a sentir e pensar o filme para além do gostar ou não gostar. Lembro-me que meus pés balançavam soltos nos bancos do cinemascope que havia na sua casa que era estúdio de edição cinematográfica. Ficava atenta assistindo Chaplin. Nasci sentido o cheiro dos rolos de filme e dando valor a sétima arte.

Acho pobre apenas dizer que gostei ou não gostei de um filme. Todo filme nos toca ou não, dependendo de nossos agendamentos. A interpretação analítica de um filme demonstra nossa forma se ser e ver a vida, as coisas e as pessoas. Qualquer filme, comunica algo. Um filme é aclamado quando se torna um arquétipo do inconsciente coletivo, isto é quando tem elementos comum a todos. Podemos ver o filme com o olhar apenas consciente, do que é aparente, ou ver o filme em sua linguagem simbólica e subliminar, com toda sua riqueza poética e profunda.

Quando assisti Avatar não sabia de seu sucesso de bilheteria, e quanto se gastou em sua produção. Fui com a alma aberta como criança que vai jogar seu videogame. Imaginei que fosse um filme infantil . E que surpresa! Assisti um filme rico em símbolos, imagens e metáforas. Encontrei uma mandala cujo o movimento dialético me fez refletir, questionar e mergulhar no mito moderno que o filme representa.

A riqueza de símbolos que Cameron conseguiu reunir vai direto ao Self de todos nós, que estivermos abertos a linguagem profunda da psique. Os símbolos são imagens universais.
Uma das causas iniciais de nossa desagregação é a ignorância ou o desconhecimento do inconsciente. O inconsciente contém aspectos negativos (desejos reprimidos, sexualidade não vivida, instintos maus e perigosos) de nosso ser, mas tem também um prodigioso potencial de forças positivas (poder criador, valores verdadeiros, as mais belas possibilidades e um inesgotável poder libertador). O inconsciente tem vontade livre, é ilimitado e inesgotável, universal e fora do espaço e do tempo e da duração. Ele é a fonte e base do consciente, o seu papel e base são, pois, delicado e importante.
O consciente, contrariamente ao que acreditam os racionalistas é muito menos vasto do que o inconsciente e não pode nada sem ele. “Limitado no tempo e no espaço e na duração, o inconsciente é efêmero e superficial”. Só depois de Descartes que a psicologia ficou limitada ao consciente apenas. O consciente do homem ocidental afastou-se, demasiadamente do inconsciente; por isto o homem de orientação dialética é assaltado por um pânico quando sente que entra de novo em contato com o inconsciente.
Os arquétipos (termo tirado de Platão) não são idéias inatas, mas forças primordiais originais e hereditárias. Os arquétipos são conseqüência da totalidade da experiência humana desde suas origens mais remotas e mais obscuras. Quem infringe as leis dos arquétipos cai doente psicologicamente. Arquétipo é a presença eterna. Os arquétipos não podem ser encontrados diretamente, mas só diretamente, através de suas manifestações, especialmente através dos símbolos.
O simbolismo é uma linguagem que, em vez de palavras, usa imagens concretas, abstratas ou ideológicas para tentar revelar ao inconsciente o que ainda está oculto ou mesmo desconhecido, para tentar exprimir o que as palavras e a linguagem racional não podem atingir. Os grandes símbolos continuam os mesmos, imutáveis em sua essência. Os sinais mudam, mas os símbolos não.
Símbolos emanam dos arquétipos, cujas raízes estão no mais profundo em nosso ser, no inconsciente coletivo. Os sinais são ramificações dos símbolos primordiais, o que o consciente percebe são os sinais. As grandes verdades foram sempre reveladas com o auxílio de símbolos. Os evangelhos usam a eterna linguagem do simbolismo. O símbolo nos toca, pois, no mais profundo de nós mesmos, e ultrapassa o intelecto e a sensibilidade para atingir a alma. Por isto, o intelecto não basta para penetrá-lo, é necessária também a intuição. Entender o simbolismo não é fácil, porque ele é uma síntese que exige não só estudos exaustivos e variados como também e principalmente a experiência vivida dos símbolos. Os símbolos, portadores de verdade e de vida são os órgãos da alma.
O Si mesmo resulta da harmonia do consciente e do inconsciente. Ele não pode ser atingido sem uma tomada de consciência, isto é, sem um conhecimento real dos conteúdos do inconsciente. Isto supõe um longo trabalho interior. ( Rossi, Rosângela; Biopsicofilosofia cognitiva analítica; 2010)

A palavra Avatar tem duas importantes significações. Em uma, Avatar significa manifestação corporal de um ser imortal, como no caso de Jesus. Na linguagem virtual Avatar são heróis ou personagens parecidos com alguém, é uma representação gráfica, um ser humano que recebe um corpo virtual para habitar um mundo virtual. Cameron conseguiu unir os dois significados no personagem central do filme. Avatar é assim um ser imortal, virtual que faz a ponte entre o ego e self. Ego são todos os personagens humanos, retratado como militares, que vivem da competição, inveja, julgamento e buscam vencer através do poder e dominação. Self,significa o si-mesmo que é o Próprio Avatar.

O Avatar passa por um processo de individuação. Ele esta paralítico, significando nosso estado de ser quando engolidos pelo ego. Morre o irmão gêmeo, outra parte dele mesmo. Ester é um ponto muito rico. Precisa morrer o ego para nascer o ser individuado.

A jornada do herói e nossa jornada de luta contínua entre nosso Ego e nossa Alma. Precisamos mergulhar no inconsciente, encontrar os deuses (arquétipos) para sermos Indivíduos, não divididos. Esse filme nos mostra esta nossa jornada diária, por isto sua beleza e porque muitos mesmos sem saber gostaram do filme.

A questão ecológica é apenas superficial no filme. A natureza do sagrado é muito mais forte e potente, é nela que o mito se desenvolve com toda sua força e riqueza. Os símbolos dançam e nos envolvem.
A árvore é o símbolo da vida. È a cruz. Tanto a árvore como a cruz são um dos símbolos mais ricos e difundidos. Símbolo da vida, evoca as evoluções e ascensão para o céu, ela evoca o simbolismo da verticalidade, como a árvore de Leonardo da Vinci.
Simboliza os aspectos cíclicos da evolução cósmica: morte e regeneração. A árvore tem o sentido de centro, é o caminho ascensional ao longo do qual transitam aqueles que passam do visível para invisível. Ela evoca igualmente a escada de Jacó, o poste Xamãnica, o pilar central que sustenta o templo ou casa, na tradição judaico-cristã, é a coluna central que sustenta o corpo humano. A árvore da vida tem orvalho celeste como seiva, seus frutos que transmitem uma parcela de imortalidade.

A dança xamânica para evocar a vida, tem um significado muito, muito mais profundo que um simples romantismo ecológico. É um chamamento de nossa psique para integração do nosso consciente com nosso inconsciente. O filme trata de forma belíssima esta realidade psíquica.

Os pássaros são outros símbolos riquíssimos, simbolizam o ar, os pensamentos, a amizade dos homens com os deuses, pois os deuses são considerados seres voadores, assim os pássaros são símbolos da liberdade. O desejo do humano de libertar dos pesos terrenos.

Estes e outros muitos símbolos fazem a riqueza deste filme genial. Só quem não sabe, não o entendeu. O que é uma pena! A Crítica de Pondé em 28 /12 / 2010, na folha de São Paulo é superficial, reducionista, de uma agressividade neurótica e demonstra sua falta de conhecimento e sensibilidade dos aspectos mais profundos da psique. O crítico foi colocado diante de sua sobra e não soube lidar com ela, projetando seu amargor da ignorância nós que entenderam e amaram o filme. Mas cada um vê o que é, o mundo é representação nossa, como disse Shopenhauer.

A grande questão filosófica que Avatar nos convida a refletir é sobre a relação da busca do poder e da morte:
- Os homens na sua fragilidade não tentam buscar o poder e matar para evitarem a própria morte?

Enfim, Avatar é um filme que não acontece fora de nós, mas dentro de nossa psique, é a luta dos dois lados de nós mesmos.
Vale a pena ver de novo e se colocar no lugar do AVATAR!
Ou morremos engolidos pelo nosso ego ou renascemos.

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