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Verdade e Verdades na Filosofia Clínica

Rosemary Pedrosa
Filósofa Clínica
Fortaleza/CE

A idéia de desenvolver este tema surgiu da lembrança do meu primeiro encontro com a Filosofia Clínica em aula inaugural, em Janeiro de l998,quando o filósofo clínico Packter distinguindo-a das outras terapias, frisou muito bem esta característica a respeito do que era verdade em Filosofia Clínica. Até então o meu convívio era com uma verdade, universal, absoluta, inabalável, uma verdade que todos alcançariam, desde que fosse em busca dela, e esta era a minha busca incansável na filosofia, uma verdade tão exata, tão precisa e universal quanto os números, justificando a vida, a existência do homem.
A minha trajetória seguia o caminho dos filósofos, buscar a verdade, para mim, aquela possível de nos redimir dos erros, e errar não era minha intenção. Verdade e certeza caminhavam juntas. Ter dúvidas me incomodava terrivelmente, eu precisava da certeza, da verdade. Foi quando estudando os filósofos modernos fiquei diante daquele racionalismo brilhante, competente, seguro, o racionalismo cartesiano, que sabia da dúvida como mero experimento para ir as certezas das coisas. Não me apercebi dos equívocos, do erro de Descartes, de sua paixão pela razão, eu também estava apaixonada, eu tinha uma mente, uma poderosa máquina pensante, possante, que vinha sendo enfraquecida pela quimera da vida sensorial. Descartes falava matematicamente, de forma simples, clara e absurdamente universal quando dizia na Segunda Meditação, que Eu sou a rigor somente uma coisa que pensa(res cogitans ), isto é, sou uma mente ou inteligência ou intelecto ou razão. Descartes procura essa garantia e ela é procurada na própria subjetividade. As Regras para a direção do espírito e o Discurso do Método são os novos guias nessa procura.
E no meio daquela aula, eu surgi e instalei-me no lugar do desamparo, isto é, no lugar onde não há garantia alguma da verdade do outro, da minha. Funda-se uma verdade subjetiva que não pretende eliminar o equívoco, nem pretende uma palavra super-humana. Em Filosofia Clínica, há dois tipos básicos de verdade, a subjetiva e a convencionada. A primeira é aquela que experimentamos, nossas opiniões, nossos conhecimentos, tudo que nos habita, tanto sensorialmente, quanto conceitualmente. E a segunda é aquela consensual, estabelecida em conjunto pelas pessoas. Packter não propõe uma bagunça de conceitos, levantar tal tese foi uma forma de sermos conduzidos ao sentido do ouvir como quem vê aquilo que aparece, que se estende diante de nós. É preciso escutar ouvindo as palavras que o outro diz e é na atitude de escuta que reside a essência do escutar.
O primeiro mês não foi fácil ficar diante do outro sem defender uma verdade de um único lugar a se chegar. Que coisa! Mas passou. As verdades são conceitos habitando milhares de estruturas de pensamentos. Packter foi cuidadoso, fez do filósofo clínico um amigo de escuta seletiva, se ele vai ouvir algo, vai ater-se exclusivamente ao que aparece e deixar-se ser todo ouvidos daquilo que se apresenta. Diz Packter: Essa pessoa não fala do meu ou do seu mundo. É sempre, e de qualquer jeito, o mundo dela, o mundo conforme ela entende e vive.
Segundo o filósofo Garcia-Roza: ser todo ouvidos não é ser ouvidos para tudo.
Para o filósofo clínico a verdade pode muito bem estar no coração, como outras vezes na razão. Quem nos dará o parâmetro dessa verdade é o nosso partilhante.
Que linda verdade nos diz Mário Quintana:Quem ama inventa as coisas a que ama...

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