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Interseções entre Filosofia Clínica e Cinema

Andréa Kubota
Filósofa Clínica
São Paulo/SP


"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho."
(Orson Welles).
"O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus.”
(Federico Fellini).

A arte faz parte da existência humana, se expressando de diferentes formas no mundo e no nosso cotidiano. Diante disso, é possível percebermos que existe uma relação direta da arte com a história da humanidade. Através da arte representamos o nosso mundo, expressamos sentimentos, procuramos dar sentido a realidade que nos cerca e com isso ressignificar os seus conteúdos. A arte possibilita uma existência humana autêntica, pois através dela a linguagem se torna íntíma das nossas paixões.

Desde as grandes reflexões filosóficas do pensador Heidegger, vemos que a linguagem cotidiana ou a linguagem científica não dão conta de todas as dimensões da existência humana. No entanto, a arte é capaz de abranger aquilo que não pode ser enunciado, mas que ainda assim e por isso mesmo, é essencial.

A interseção entre a Filosofia e o cinema, e a arte de forma geral, não somente é possível, como é relevante, tendo em vista que a arte e a filosofia são dois âmbitos da existência humana, que caminham juntamente com a trajetória da humanidade. É possível relacionar a expressão artística (representada pelo cinema) e a necessidade de uma reflexão crítica sobre o mundo, o ser humano e as suas relações (uma das tarefas essenciais da filosofia), possibilitando a todos alguns momentos de contato com a boa arte e com o bom debate, para que possamos relembrar algo de extrema relevância, que é o fato de sermos humanos e não máquinas e que, portanto, precisamos ir além de questões superficiais á que muitas vezes somos conduzidos a nos limitar para viver na nossa presente estrutura social.

Sendo considerada a sétima arte, o cinema, possui uma história recente. Surgiu na passagem do século XIX para o século XX como expressão da técnica e realização do desejo humano de guardar cenas para não perdê-las na memória. Mas apesar de sua ainda breve história, o cinema já nos trouxe muitas possibilidades de encantamento e reflexão.

Um dos conceitos que permeou boa parte das concepções de arte dos clássicos foi o conceito de mimeses. Platão, quando fala de arte, remete-a a sua teoria das idéias, diz que a arte é uma cópia, uma imitação da natureza, e esta é entendida como uma imitação das idéias, desse modo, o conceito de mimeses significa imitação. No entanto, o objeto dessa imitação não é propriamente uma cópia de qualquer coisa na realidade, mas sim, trata-se de uma busca da beleza, ou seja, a Arte nesse sentido deve ser uma imitação do que é belo.

Esta concepção de arte mimética vista em Platão, também se remete a Aristóteles, no entanto, este filósofo se afasta substancialmente no que se refere à teoria das idéias de Platão, e acresce ao conceito de mimeses o caráter de reconfiguração, ou seja, a arte para Aristóteles não somente imita a vida como a reconfigura, lhe dá vida.

A arte é uma constante busca em demonstrar a realidade, em formas de representação diferenciadas. A partir dessa idéia dos antigos, podemos pensar que o verdadeiro cinema nos traz a possibilidade de entrar em contato com a realidade como um espelho, no qual nos olhamos e nos identificamos, e também com o universo do outro, tendo em vista a projeção dos seus próprios sonhos e da suas vivências, entendendo melhor não somente a sua, mas outras realidades. Assim o cinema enquanto arte da vida talvez possa se constituir como um elemento que nos conduza a uma melhor compreensão de nós mesmos e do outro .

O cinema, a partir de sua capacidade mimética, isto é, de atingir os indivíduos com suas diversas formas diversificadas de representar, encenar, narrar histórias, e expor a realidade humana, constrói uma nova maneira de olhar para o mundo e, com isso, estabelece uma forma peculiar de inteligibilidade daquilo que nos cerca.

Façamos então, o belíssimo e humano exercício filosófico de nos aventurarmos pelos diferentes mundos a que nos conduzem os filmes e discutirmos sobre o ser humano e as suas relações.

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