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NÃO ENTENDEU, NÃO SENTIU E NÃO APROVEITOU



Ildo Meyer
Médico e Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS


Acredito que o problema todo esta em pensarmos demais. Falando em pensar, imaginei como seria na época das cavernas. De repente bate uma saudade enorme de ti, daquela nossa época de estudantes, logo que nos conhecemos. Lembrando dos ferormônios explodindo por todos os poros e aproveitando os que ainda restam, sairia a tua procura, como um caçador. Não importariam os perigos que teria de enfrentar, precisava matar o desejo, a saudade, liberar os fluidos, sentir de novo o teu gosto, comer a tua presença.

O motivo pelo qual haviamos nos afastado não importava mais, o desejo seria o mestre. O meu é claro, pois sou um homem das cavernas e tu serias a fiel representante da mulher submissa ancestral.

Mas vamos pensar um pouco mais (apesar de eu continuar afirmando que em certas ocasiões, pensar é o que atrapalha tudo). Faz de conta que como uma mulher ancestral também sentias os mesmos desejos reprimidos, não eras submissa ao teu par e ansiavas por me encontrar em teus sonhos, mas como mãe de uma prole imensa de filhos, ficavas presa a uma caverna. Não havia google para tentar saber da minha existência.

Quando surgi na porta da tua caverna, barbudo, cabeludo, um pouco mais envelhecido, mas ainda com aquele mesmo olhar, jogastes o bebêzinho de meses no chão e te atirastes em meus braços. Beijamo-nos e fizemos amor na porta da caverna. Beijo a beijo, esquecemos do mundo lá fora e fomos recuperando os anos de saudade reprimida.

Sentimento Puro, na versão original.

Gostou? Acho que seria muito legal. Então vamos agora para o futuro.

Cinco milhões de anos se passaram, o homem inventou a palavra e começou a organizar seus pensamentos. Inventou o superego, o MSN, o casamento, a religião. Pensou tão longe que até ousou exprimir sentimentos em palavras. Olha só que loucura, palavras exprimindo sentimentos....deve ser coisa de algum maluco.


Então hoje, quando estou com saudades de ti, com vontade de sentir teu cheiro, toque, gosto e conversa, pego o celular e passo uma mensagem:

- Estou morrendo de saudades.

Em 30 segundos retorna uma resposta:

- Eu também, vamos marcar uma conversa no MSN?

Que facilidade hein, antigamente eu teria que sair caminhando pelas savanas durante dias ou meses até te encontrar e agora em 30 segundos já estou em contato.

Quatro horas conversando via internet. Madrugada adentro como nos velhos tempos em que nos amassávamos pelos cantos escuros. Recordamos felizes as histórias da praia, do carnaval, das escapadas pela janela dos fundos, e ao longo da noite descobrimos que já não somos mais os adolescentes inconsequentes dos anos 70. Descobrimos também, que apesar do tempo, distância, contratempos, discordâncias e experiências que nos afastaram, a afinidade que nos uniu ainda permanece após décadas.

Desliguei o computador e liguei a memória. Lembrei do reveillon em Punta, do frio em Campos do Jordão, do show do Frejat, das sardas, tatuagens, do cheiro de suor na tua nuca, o gosto do teu beijo pela manhã, a mão acariciando minhas costas, cabelos espalhados nos lençóis, virilha depilada, gato arranhando a porta, hino riograndense cantado no banho, pipoca no sofá, velas acesas no quarto, espumante bebido na cozinha, conversa jogada fora, abraço puxando pra dentro, choro na despedida, lágrima salgada...

Começa então a surgir o desejo de um re-encontro pra matar a saudade e conferir como é a nova versão da afinidade e do sentimento. Misturam-se imagens da adolescência com conversas do MSN, confusões do passado com explicações de agora e cada um a seu modo vai fantasiando o re-encontro, criando expectativas, controlando as palavras, segurando o desejo, jogando sedução, estudando a reação do outro, calculando as consequências, tomando coragem, pensando, refletindo, amornando, avançando um pouco, recuando dois poucos, esfriando, consultando o psiquiatra, congelando...

Enquanto uns evoluem no sentido do pensamento, outros permanecem no sentimento puro, e outros ainda não sabem em que lugar estão nem o que estão fazendo de suas vidas. Por estas e por outras é que muitas relações que poderiam ter sido ótimas, se perderam lá no inicio, no meio e chegaram a um fim, não conseguindo nem ser entendidas, nem sentidas e muito menos aproveitadas.

PS - Se fosse fácil, não escreveria este texto; estaria ai embaixo do teu prédio te chamando com um megafone.

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