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Filosofia... Terapias...
Filosofia Clínica!

Ana Maria Frota
Filósofa Clínica
Teresina/PI

“Quem é capaz de ver o todo é filósofo; quem não, não”.
(Platão)

A filosofia visa a ampliar constantemente a compreensão da realidade, objetivando apreendê-la na sua inteireza, portanto, filosofar implica em raciocinar, meditar, discutir argumentar questões diversas relacionadas às vivências e aos comportamentos do homem.

Pois, a maneira como o homem se comporta, age, tem a ver com um grupo de fatores internos e externos que lhe são inerentes, tais como: sua visão de mundo, sua razão, suas emoções, suas verdades, seus valores, suas experiências, seus hábitos e etc., ou seja, conforme sua filosofia de vida.

“A alma nos ordena conhecer aquele que nos adverte: ‘Conhece-te a ti mesmo’.” (Sócrates)
Para Sócrates o homem é a sua alma. Ele entendia a alma como a consciência – atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade, daí, a sua celebre máxima “conhece-te a ti mesmo”.

Portanto, se o homem é a sua alma, a virtude do homem está na cura da alma. Logo, assim como a doença e a dor física são desordem do corpo, a saúde da almaé a ordem da alma, e essa ordem espiritual ou harmonia interior é a felicidade. Sócrates acreditava que a felicidade estava em se levar uma boa vida.

Sua grande questão é: Entretanto, o que é bom e o que é ruim? Para Sócrates, “A cura da alma se dá no diálogo (dialética), através da ironia-refutação para purificar a alma do falso saber e da maiêutica para fazer emergir, mediante perguntas e respostas, a verdade que está em cada um de nós.” (Reale; Antiseri, 2003:108). Sócrates parece ter sido terapeuta de si mesmo.

Sócrates identifica a cura da alma com a suprema missão moral do homem. Platão conserva o pensamento socrático, entretanto, põe um significado místico e esclarece que cura da alma significa “purificação da alma”. Isso se dá à proporção que a alma ultrapassa os sentidos, e conquista o mundo do inteligível e do espiritual.

O processo do conhecimento racional também representa para Platão, um processo de “conversão” moral. Pois, à proporção que o processo do conhecimento nos leva do sensível para o supra-sensível e nos conduz de um mundo para o outro, também nos conduz da falsa para a verdadeira dimensão do ser.

Consequentemente, é “conhecendo” que a alma cura a si mesma, realiza a própria purificação, se converte e se eleva. Aqui se encontra a verdadeira virtude. Platão considerava que o trabalho do filósofo era abrir os olhos das pessoas e ajudá-las a procurar a perfeição. A sua grande questão era: Existirá um mundo perfeito?

Os Epicuristas e os Estóicos tinham raízes na busca de Sócrates: como levar uma vida boa? Mas, enquanto para os epicuristas a filosofia se distingue como uma terapia da alma, da qual sua fundamentação e argumentos traziam como objetivo diminuir as dores existenciais do ser humano, para os estóicos, a filosofia dizia respeito a uma ciência que ensinaria a arte de viver bem, que consistia em não se deixar governar pelos sentimentos, e só querer aquilo que podiam ter, assim, não se frustrariam.

Tão antigo é o caminhar do homem a procura da cura para os males da alma. E tão recente parece esse caminhar – pois ele é de ontem, mas, também é de hoje. Portanto, tem se perpetuado esse caminhar, comprovando o poder terapêutico da filosofia para aliviar as aflições das pessoas.

A terapêutica como parte da medicina, estuda e põe em prática os meios e os métodos adequados para aliviar, minimizar ou curar pessoas ‘doentes’.

A psicanálise – criação freudiana, durante muito tempo predominou como forma de tratamento através da fala – método usado comumente pelas outras áreas terapêuticas, hoje, no entanto, a psicanálise parece não responder as grandes questões existenciais do homem, deixando um misto de descrédito pelo padrão adotado para significação do sofrimento mental, e por não ter nenhuma base científica que a sustente, assim diz o neurocientista Ivan Izquierdo, à revista Superinteressante de outubro de 2002.

Outrossim, a psicologia é um ramo da ciência médica que estuda a mente e os processos mentais do ser humano buscando autoconhecimento, e portanto, propõe terapias para melhorar a vida das pessoas.

Tantas são as terapias fundamentadas em ideologias sem capacidades, seja pelos seus métodos ou por seus fundamentos, que não conseguem dar resposta satisfatória às questões apresentadas pelo ser humano na sua dor existencial.

A filosofia com Lou Marinoff em Mais Platão, Menos Prozac e Pergunte a Platão desenvolve uma forma terapêutica a partir de pressupostos filosóficos, realizando assim a filosofia prática, cujo objetivo, é clarear as idéias e fazer um resgate do homem que está imerso no seu submundo em total desprovimento de razão, motivo pelo qual se encontra em estado de inação racional, consigo, e também com o mundo que o cerca.

A filosofia prática nesse contexto vem possibilitar a reconstrução da vida do ser humano de forma concreta capacitando-o a enfrentamentos com os vários desafios que a realidade do mudo pode lhe oferecer. Portanto, Marinoff, canadense, criador do movimento de aconselhamento filosófico nos EUA, traz como proposta a retirada da Filosofia do discurso acadêmico para levá-la ao cotidiano das pessoas.

“A Filosofia Clínica não é toda a resposta, ela é uma das respostas”. ( Packter)

Tão criança ainda é a Filosofia Clínica, bem brasileira, portanto, nossa. Surgiu na década de 80 com as pesquisas e estudos do filósofo gaúcho, Lúcio Packter. Ela é a mais nova maneira de se fazer terapia.

Sua fundamentação teórica tem raízes na Grécia antiga desde os pré-socráticos. Podemos dizer que a Filosofia Clínica é a Filosofia Acadêmica direcionada à clínica, e, portanto, é a transformação da teoria em prática, ou seja, é o conhecimento filosófico usado com método e fundamentação para trabalhar as questões existenciais da pessoa, tais como: angústias, depressão, medo, insegurança, ansiedade, perdas, enfim, e umas tantas outras questões.

A Filosofia Clínica traz como ferramenta de trabalho a historicidade da pessoa, desde a sua infância até os dias atuais. A história de vida da pessoa está permeada de fatos, acontecimentos, vivências que são únicas, portanto, a soma de tudo isso é que formará a Estrutura de Pensamento – o modo ser da pessoa no mundo, com sua visão de mundo, com suas idéias, suas sensações, emoções, valores, pré-juízos, e tudo o mais que faz dela uma pessoa única, singular.

É todo esse complexo de coisas, que formam a Estrutura de Pensamento da pessoa, e que ela traz ao consultório para compartilhar com o filósofo clínico. Daí, a expressão partilhante para todo aquele que busca pelos serviços filosófico/clínico.

Partilhante, por partilhar as suas vivências, por mostrar que em meio a elas, informalmente ele pode ter maneiras de lidar com os enfrentamentos do seu cotidiano, ou então, precisa descobrir ou construir maneiras que lhe permitam resolver tais questões.

E, a essa maneira informal de lidar com suas questões, chamamos de submodos, os quais também os denominamos de procedimentos clínicos – quando identificados e utilizados pelo filósofo clínico, para desconstruir e amenizar os possíveis choques presentes na Estrutura de Pensamento da pessoa.

A Filosofia Clínica é plástica, portanto, se apresenta como uma possibilidade de interagir e conhecer o ser que se nos apresenta, com suas vivências e peculiaridades. Portanto, busca compreendê-lo a partir do seu existir, numa relação compartilhada de empatia e alteridade.

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