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Pérolas imperfeitas*


“Não se evita impunemente uma crise interior.”
Cioran


Havia um rumor de vida nova naquelas incompletudes. Algo próximo de um vocabulário, talvez. Um teor inovador e de aparente sem nexo oferecido nas possibilidades de descobrir e inventar. Experimentações discursivas e as retóricas da existência apreciam conceder visibilidade por esses jogos de linguagem.

Espécie de diálogo contido entre o dizer e o não dizer, quem sabe até conversação entre questões imediatas e últimas. Disputa pela supremacia, um pouco antes de ser alguma coisa. Na estrutura tênue dos convívios, aprender a ver através das aparências pode significar mais.

É interessante notar que as vivências mais intensas possuem grande dificuldade para encontrar sua melhor perspectiva. A saga do querer dizer, pode se mostrar antítese as lógicas mais consideradas. Ainda assim, a multidão de personagens e fenômenos sem nome, deixa rastros visíveis nos intervalos da palavra.

Os termos agendados possuem eficácia de anunciar algo novo em cada expressão. Nas entrelinhas da indeterminação epistemológica uma quase idéia se faz rascunho. Ameaça a considerável lucidez com seus excessos e descontinua-se noutras buscas.

Na penumbra as miragens e sonhos esboçam efêmeras promessas. Assim, ao tentar descrever os rituais do incrível desconhecido, as expressões podem ser inacessíveis fora da casinha.

O esforço para se sair de uma realidade para entrar em outra, pode parecer loucura à perspectiva que se tenta superar. A vertigem da razão desencontrada pode ser um ritual de desabamento às retóricas da certeza.

Mesmo ao respeitar a literalidade, a manifestação de cada sujeito ficaria sem sentido, se distanciada dessa via precursora ao instante do dizer. As verdades em projeto possuem característica mutante ao olhar desacostumado com a sonoridade dos ritmos de cada língua.

No caso de ser refém da própria imaginação, é possível desvirtuar a maior parte da vida objetiva, transformando tudo ao redor num sonhar acordado. Nos vãos entre uma palavra e outra existem conteúdos, possível verdade de um devaneio, a se alojar nalgum exílio de aspecto inacessível.

Armadilhas conceituais decadentes ampliam os rastros da matéria-prima assim constituída, numa improvável versão fronteiriça onde real e irreal se misturam. Ao resvalar por uma e outra, os textos inacabados profanam convicções. Ao errante da incompletude se esboçam outras visões, incontáveis vontades a espera da melhor resenha.

Na atividade febril das releituras, as hermenêuticas do silêncio podem reconhecer um fugitivo de si mesmo. A ficção, tantas vezes ofuscada pela realidade, parece querer dizer sobre eventos onde elas se confundem. Os nomes e derivações transgridem o mundo conhecido em busca de sua alteridade. Diálogos sobre o lugar onde não-ser é.

Existe um saber andarilho, situado nalgum ponto entre a intencionalidade sem palavras e aquilo objetivado pelo desfecho. Ao romper o tédio dos dias perfeitos, a escassez conceitual pode significar uma antítese inesperada para outras direções. Como o vocabulário possui intimidade com os ânimos da subjetividade envolvida, é importante contextualizar a incerta clarividência sobre o que o outro quer dizer.

A insensatez de um cotidiano fora de foco permanece irreconhecível e à espera de alguma tradução. Sua ousadia é fonte de inspiração e se apresenta como perseguição solitária aos conteúdos do instante. Por esses rituais da não-palavra, a descrição dos fatos pode revelar subúrbios e afrontar os limites da certeza.

Na interseção com os códigos da singularidade, é possível encontrar a melhor perspectiva aos refúgios apontados pela estrutura do dizer.

Os conteúdos da inconclusão discursiva apreciam as reticências para oferecer contrapontos ao mundo conhecido. Assim, procuram testar as definições bem construídas, na concepção de um agora a possuir nada como ponto de partida.

Como algo que se anuncia, o espaço de um triz é capaz de transformar insignificâncias lógicas em algo mais. Aqui a interseção entre as formas delirantes e o cotidiano das eficácias discursivas oferece paradoxos para ser matéria-prima. Seu aparecimento sugere uma avalanche de originais, contida na linguagem inovadora, muitas vezes silenciada pela insegurança pioneira.

A dialética investigativa dessas a-versões costuma revelar múltiplos disfarces antes de encontrar alguma tradução eficaz. Aqui não se trata de tentar unificar os caminhos do entendimento, mas, ao contrário, tentar compreender a diversidade de interseções entre a pessoa e seu vasto universo interior. Ímpetos desconstrutivos costumam proteger essas vias de acesso.

Uma sensação de óticas de meia-verdade pode renovar os dialetos do saber marginal. Momentos onde a invenção da palavra costuma atualizar as pronúncias desconhecidas. As lógicas da imprecisão narrativa ajudam a decifrar o transbordamento dessas vivências consideradas indecifráveis.

A historicidade dos pretextos delirantes pode querer anunciar vislumbres, até então, ofuscados pela camisa de força da normalidade. A pluralidade do universo singular poderia ficar incomunicável ou aprisionado nalguma tipologia psiquiátrica, sem o aperfeiçoamento da semiose pessoal.

Nos eventos idealizados nos manuscritos se encontram múltiplos disfarces. Como se fora uma ficção sem ser, esses conteúdos apreciam ficar improváveis a vida lá fora. Os apontamentos em torno da escrita cuidam de proteger os refúgios ao mundo dos princípios de verdade.

A solidão de uma vida sem nomenclaturas se utiliza das estéticas da ilusão, para oferecer um esboço tênue e dispensar roteiros preestabelecidos. Ao cuidar e proteger os novos territórios, a aptidão de ser invisível oferece ao alienista apenas aquilo que ele procura.

Os monólogos da insignificância guardam antigos segredos. A idéia de uma só leitura diante da autoria precursora pode estruturar um não texto, um viés de anúncio solitário. Sua pronúncia estranha pode ficar inexpressiva ao vocabulário conhecido.

Assim os rascunhos da originalidade ensaiam novas texturas entre o pensar e o agir. Ao conceder um relance pelos novos signos, buscam facilitar a apreensão da versão do sujeito, como se estivesse renascendo por esse vocabulário recém chegado.

Em um mundo de burocratas, um ser visionário expõe um estranho esboço de si mesmo. O foco súbito parece querer compartilhar um lugar promissor as singularidades. As memórias sussurradas oferecem um deslocamento fugaz pelo inusitado subentendido. Os sinais esparramados reivindicam considerar o ainda sem nome.

Os termos agendados costumam antecipar a sutil microfísica dessas peculiaridades. As inúmeras perspectivas parecem transitar num limiar indizível, como uma miragem a deslizar entremeios da epistemologia tradicional. Seu aspecto de menção substituta associa o alheio e o estranho.

O instante fugaz desorganiza e prepara o seguinte, animado pelas cinzas que deixou para trás.
Pela porta entreaberta entre um nada e alguma coisa, a vida descontinua-se em ensaios, um pouco antes de ser história.

Na perspectiva da palavra, existem múltiplas formas camufladas de impossibilidade. Nos entremeios de um discurso muita coisa ainda segue inacessível.

Esses conteúdos distantes da vida de superfície preservam a arte da confidência. Os estudos e percepções sobre a linguagem desestruturada vão além do que se consegue dizer. Mesmo a aliada contradição, muitas vezes, não consegue auxiliar a travessia entre a referência ideal e sua transcrição.

A vitalidade subjetiva se alimenta no desacordo dos consensos. Lugar onde a imprecisão discursiva se entrevista para se superar.

Na historicidade assim disposta, um sem sentido aguarda legitimação. Talvez a rara aptidão dos românticos fracassados consiga realizar (no outro) a transição das crises para as possibilidades que anuncia.

*Hélio Strassburger
Filósofo Clínico

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