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O mundo dos outros

Hélio Strassburger
Filósofo Clínico


É comum não se dar conta dalgum refúgio amistoso, um lugar agradável para se viver. Em muitos casos só bem depois de ter partido é que se consegue algum vislumbre sobre a arqueologia dos escombros.

O esboço sobre as recorrências do acaso tenta perseguir aquilo que ficou pelo caminho. Até parece querer traduzir rascunhos sobre as recordações da noite.

A aventura criativa da página vazia aponta buscas pelo inusitado aprendiz. A lógica das vontades interditadas não reconhece a luz do dia como única verdade. Os devaneios e as paixões, no entanto, não querem subverter o conforto da vida como ela é. Propõe deixar tudo como está e ser contraponto aos discursos apreciáveis.

O ir e vir por essas poéticas do silêncio revela um andarilho dos contornos. Quase indizível a se oferecer num rumo indefinido. Interação com fenômenos nem sempre traduzíveis pela palavra conhecida. Nesse contato sutil da idéia com a realidade lá fora, muita coisa se refugia noutras possibilidades. Muitas delas tão próximas da alma de brisa leve.

Como intenção proscrita a nomenclatura oficial, as expressividades afins refazem o mundo a margem das ditaduras de sentido único.

Na representação de Eric Landowski: “Visitante por princípio respeitador dos equilíbrios que fundam a especificidade de um lugar ou de um meio estrangeiros, ele rejeita a idéia de os perturbar por sua presença ou sua ação. As paisagens que ele admira, tal como os espaços sociais, secretam cada um, ele o sabe, sua temporalidade própria para quem os sabe ‘ler’.”

Aqui se trata de uma fantasia muito próxima dos fatos que a alimentam. Os projetos fracassados elaboram colagens noutras perspectivas. Apreciam fazer referência ao coringa invisível a se colocar no lugar qualquer de quase tudo.

Os feitos de causa perdida possuem rosto e singularidade, sua contradição essencial prossegue a elaborar inéditos, apesar dos pátios fechados onde foram se desenvolvendo. Elaboram um enredo imprevisível a perseguir a vida que o inspira.

Num contexto repleto de cópias, não é incomum esse abrigo de originalidades surgir como in-sano. Algo para ser tratado e reconvertido ao mundo dos outros. Seus indícios e sinais costumam ser despercebidos pelo olhar bem educado, acostumado a enxergar velhos muros como intransponíveis, querer explicar os sonhos ao invés de vivenciá-los. Sem falar no princípio da autoridade hermenêutica, a fazer referência nas preliminares sobre a melhor versão daquilo por vir.

Para a poética de André Comte-Sponville é assim: “(...) porque o real excede em toda parte o pouco dele que podemos pensar! Mais uma razão para não nos contentarmos com pensar e para aprender a ver, isto é, a se entregar, silenciosamente, à inesgotável simplicidade do devir.”

É possível vislumbrar esse vocabulário nas entrelinhas e à espera de algum flagrante. Ele aprecia se mostrar onde menos se espera. Possui ângulos incríveis para insinuar coincidências. Seu jeito de querer ser também se oferece na indecisão do minuto fugaz.

Nem sempre se pode descrever o viés ainda sem palavra. O socorro da esteticidade talvez possa realizar conversações de ontem com amanhã, sem desmerecer a eternidade agora. Todavia o existir relacionado ao movimento introspectivo, se orienta no vaivém das suas contradições, onde um alimenta o outro em busca de um lugar ao sol.

Mesmo quando o nunca visto se mostre esquisito, é possível elaborar aproximações, diálogos, tratativas. Não permitir um movimento de repúdio por não ter um sentido palpável sob as mãos.

Compartilhar exercícios de tolerância e aprendizado com as realidades delirantes pode, inclusive, garantir algum lugar para o normal de hoje, quando os ventos mudarem a geografia das verdades.

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