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O que acha de si mesmo

Marcelo Osório Costa
Filósofo Clínico
Belo Horizonte/MG


Suponha que uma pessoa diz o seguinte: “Eu sou uma pessoa muito curiosa, me sinto inferior, não me valorizo nos momentos que são necessários me valorizar... É como se eu me perdesse com as pessoas. Sou uma pessoa que tenho vergonha de meu corpo, e quando eu fico assim nem a minha voz sai de minha boca. Mas, mesmo assim eu sou muito feliz”.

Este relato preenche o Tópico nº 2 da Estrutura de Pensamento (EP), em Filosofia Clínica, que também denominado de T2.

Este tópico traz aquilo que o partilhante expressa dele mesmo. O T1 (Como o Mundo Parece Fenomenologicamente) apresenta informações acerca do mundo externo à pessoa, já o T2 (O que acha de si mesmo) descreve dados sobre aspectos internos do partilhante. No momento que a pessoa expressa algo a respeito de si mesma o filósofo clínico terá indícios sobre informações referentes ao T2.

A pessoa ao falar dela mesma expressa o que vai à sua Estrutura de Pensamento, também poderá expressar a forma que sua EP usa para vivenciar em forma de ação, comportamento, atuação; este último aspecto é chamado de Submodos. O partilhante, no entanto, não só traduz sobre ele mesmo, mas também o que imagina, sente, intui ou reflete, ou melhor, o que ele expressa de si mesmo naquilo que ele entende ser.

Existem pessoas que não vêem problemas em falar sobre si mesmas, outras já podem encontrar verdadeiros obstáculos para falar delas. Como, então, fará o terapeuta ao estar em frente a um partilhante que tenha uma forte e enraizada idéia sobre ele mesmo, porém, ele guarda para si mesmo tal representação?

Imagine que essa pessoa tem como T5 (Pré-Juízo) que todas as pessoas, ao ter fortes idéias sobre si mesmas, devem guardá-las sob sete chaves. Poderá, possivelmente, ser o T2 (O que acha de si mesmo) o tópico determinante na EP desse partilhante, mas os dados estão enclausurados em um baú em sua malha intelectiva. O filósofo, portanto, não tem acesso a tais informações e nada constataria sobre, talvez, algo muito importante na EP da pessoa.

Para que o filósofo clínico tenha conhecimento das informações que estão internamente na pessoa, é fundamental profunda atenção à interseção entre filósofo clínico e partilhante. É relevante não deixar de lado que várias horas de encontros terapêuticos; muitos processos divisórios; e, enraizamentos de termos equívocos são necessários para a elaboração da Estrutura de Pensamento. Isto é substancial para aproximar da representação da pessoa sobre si mesma.

Provavelmente, o que a pessoa acha dela mesma poderá não aparecer nos tópicos, ao fazer o Exame Categorial, mas poderá aparecer em outros momentos clínicos como, por exemplo, na Autogenia, na Interseção entre Estruturas de Pensamento, nas Divisões, nas relações tópicas com os submodos, no Planejamento Clínico, etc.

Em relação a estes fatores, nada adiantaria ao filósofo clínico, para o sucesso do trabalho terapêutico, se não tiver intimidade junto à EP do partilhante através da interseção. Essa familiaridade faz com que os processos relacionais tópicos, que podem parecer intrincados, complexos e obscuros na estruturação de pensamento do partilhante, se tornem conhecidos pelo terapeuta.

Para que se alcance tal intimidade e familiaridade, será ético e producente compreender que o tempo e a pesquisa são métodos epistemológicos fundamentais no trabalho filosófico clínico.
Imagine que o filósofo clínico diga ao partilhante que este deve saber quem ele é, expressar sua forma de ser fundamentando melhor suas idéias acerca de si mesmo.

Essa pessoa pode viver bem em suas complexas existências; sua estrutura mental funcionar bem; e o seu bem estar subjetivo é proveniente da opinião que tem sobre si mesmo vivendo sem jamais pensar sobre si.

O filósofo, então, infringiu os mais elementares ensinamentos filosóficos clínicos: o respeito à forma singular de ser do partilhante alcançado através da interseção. Caso o terapeuta tivesse conhecimentos sobre a estruturação da pessoa, via interseção, possivelmente tal tragédia seria evitada.

Pesquisar e respeitar como a pessoa representa o seu mundo existencial, isto é, ser como ela é, origina a compreensão que infinitas combinações tópicas e submodais sobre si mesma podem aparecer.

Como se pode perceber será necessário ao terapeuta pesquisar como o partilhante mensura e representa – baseando-se, respectivamente, em Protágoras e Schopenhauer –, sua forma de ser no mundo, de modo que se tenha a representação da representação da pessoa através da interseção, porque é possível afirmar que “a priori” nada se sabe sobre o que a pessoa acha de si mesma.

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