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Algumas considerações sobre as terapias

Lúcio Packter
Pensador da Filosofia Clínica


A revista SUPERINTERESSANTE, edição 254, trouxe como matéria de capa: Terapia Funciona?

Dei um longo depoimento, depois troquei alguns e-mails com a jornalista responsável pela matéria, onde aparece uma citação minha e algumas linhas esperançosas sobre o meu trabalho.

Segundo a jornalista Denize Guedes, que assina a matéria, as neuroimagens de pesquisas, como a realizada na Universidade de Leeds, Inglaterra, apontam para um parecer: talvez “a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam”. O que faria com que a psicoterapia funcionasse na opinião de muitos especialistas é o efeito placebo, a convicção da pessoa de estar sendo auxiliada, da sugestão, da vontade da pessoa em sair do conflito.

Existe algum endereçamento na Filosofia Clínica sobre isso?

Primeiro, algumas vezes a psicoterapia funciona pelos motivos nomeados pelos terapeutas. Exemplo: às vezes impulsos reprimidos, o trabalho direto com os conflitos, a identificação de crenças entortadas fazem com que a pessoa lide de outra maneira com o que a atormentava.

Sengundo, às vezes de fato o efeito placebo viceja. Neste caso, é freqüente que o carisma do terapeuta e determinados vetores de sugestão possam tornar diferentes as questões subjetivas da pessoa.

Terceiro, não é raro que a vontade da pessoa impere de tal modo que a técnica utilizada e o carisma do terapeuta lhe são indiferentes. Ela busca mudar, consegue mudar elementos problemáticos, mesmo que a terapia seja ainda mais um empecilho em sua luta.

Quarto, provavelmente se considerarmos uma pessoa que procure Psicodrama, Análise Transacional, Gestalt, Terapia Cognitiva, Filosofia Clínica tendo como foco a depressão não é desarrazoado supormos que semelhanças surgirão. Assim como há muitos modos de se chegar à Amazonia, há muitas maneiras de se debelar algo que se considere nocivo feito uma depressão, desde a medicação até a tiros. Se a questão se restringir unicamente a debelar algo tido como um mal, a depressão, podemos então aventar caminhos mais eficazes do que a terapia. Neste caso, a terapia se tornaria dos mais longos, onerosos, difíceis e discutíveis caminhos. Por que a utilizaríamos?

Quinto, outros cuidados se impõem. Uma indagação: não seria freqüente que uma terapia se torne pior do que a “doença” que se propôs a combater? Pode combater uma depressão que legitimamente foi um dos meios possíveis e, pela maneira como a pessoa está estruturada, um meio recomendável, para lidar com um nó existencial que exasperava a existência da pessoa. Ao combater a depressão, um fenômeno que amparava e respondia a demandas últimas da pessoa, a terapia tornou-se o mal. Assim sendo, a pessoa deveria ser medicada com a terapia, deveria cuidadosamente afastar a terapia de sua vida.

Sexto, a propriedade e a natureza das pesquisas. Como os estudiosos em Filosofia sabem, a Epistemologia mostra determinados vícios do conhecimento. Uma pesquisa que aponte para onde a matéria da revista citada olha, tal pesquisa pode facilmente levar a interpretações nas quais tudo parece próximo de ser igual: as terapias seriam todas iguais quanto aos resultados. Falso, claro. Como eu poderia dizer, por exemplo, que uma disciplina como a Filosofia Clínica, que não busca a cura (porque inexiste nela os critérios de patologia X normalidade), que não se ocupa do bem-estar, equilíbrio, hedonismos existenciais, que não usa tipologias, procedimentos clínicos a priori chegaria a resultados semelhantes a uma disciplina que tem como objetivo a cura, o bem-estar, a adequação do homem à sociedade? Talvez pudesse dizer quando existisse coincidências nos resultados. Talvez.

Sétimo, quando uma necessidade de ajuda não se faz acompanhar de ajuda psicoterápica. Muitas vezes o tempo e as contingências existenciais colocam em outras bases os dilemas; outras vezes, os próprios dilemas se tornam parte da construção e são essenciais para o que se segue, semelhante a dor e as contrações de um parto.

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