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APESAR DO VEXAME, AINDA TE AMO

Ildo Meyer
Médico e Filósofo Clínico
Porto Alegre-RS


Sei que a maioria dos meus leitores são mulheres. Sei também que mulheres não são tão fanáticas por futebol quanto homens. Apesar disto, vou falar de futebol, porque minha intenção é ajudá-las a confortar seus amados. Quando chegar aquele dia em que seu amor estiver desconsolado porque seu time deu o maior vexame, mostre este artigo para ele. Quem sabe ajuda?

Dizem que futebol é uma paixão nacional. Tenho minhas dúvidas. Pode ser uma paixão para muitos, mas certamente não é unanimidade. Alguns homens têm paixão pelo traseiro feminino, outros pelo assento de seus carros... Além disso, se levarmos a sério, a definição de paixão não tem nada a ver com futebol.

Paixão, do latim “patior”, significa sofrer ou suportar uma situação dificil. Até aqui ainda está razoável, afinal de contas tem tanto “timinho” ruim fazendo maldade com seus torcedores. A continuação é quem esclarece: O acometido de paixão fantasia a realidade em função do fascínio que o outro exerce sobre ele. Com o passar do tempo, suas expectativas idealizadas não se realizam, iniciando-se então o processo de despertar, onde o ex apaixonado passa a enxergar o outro como realmente é. Apesar de intensa e arrebatadora, a paixão é um sentimento passageiro, com duração máxima de quatro anos.

Como explicar então seu time levar goleada, cair pra segunda divisão, vender o craque, trocar de técnico três vezes por ano e você continuar a vida inteira torcendo por ele? Não importa sofrimento, flauta do arquiinimigo, juras de nunca mais voltar a campo, chuva, frio, preço do ingresso, dia das mães, muito em breve você estará mais uma vez acreditando que seu time agora vai pra frente. Nada o convence do contrário. Isto está muito mais pra amor que pra paixão.

Este é o amor que toda mulher sempre sonhou receber. Incondicional, eterno, apaixonado. E por mais que se tente, fica difícil entender o que realmente os homens adoram, idolatram e amam no futebol. Uma das muitas teorias diz que através da escolha de ídolos que os representem, extravasam seus instintos básicos de luta e sobrevivência, permanecendo assim, sempre jovens.

A indignação aparece quando estes ídolos são jogadores que um dia beijam a camiseta do clube e no outro vão embora em troca de melhores salários. Transferindo esta situação para a vida afetiva, seria parecido com amar uma prostituta.

Algo me diz que devo trocar a linha de pensamento, senão vou logo arranjar confusão. Melhor partir para outra teoria, não sem antes deixar o alerta de que em toda forma de amor sempre existe um pouco de loucura, e que em toda a loucura também existe amor, em carência ou excesso.

Talvez o segredo do fanatismo e do amor apaixonado e imortal não esteja nas alegrias que o time possa oferecer, pelo contrário, está na dor e sofrimento causados e na nostalgia das glórias alcançadas. Cada humilhação, vexame, fiasco vai gerando um descontentamento no torcedor, que toma a dor para si e resgata aquela agressividade terceirizada para os jogadores falidos.

A partir daí, a luta agora é dele, que braveja, vaia, queima a bandeira, incita a revolta. A frustração vai se alastrando, unindo ruidosamente a torcida, até o momento em que a pressão por mudanças se torna insustentável. O técnico acaba sendo demitido, um jogador comprado, um dirigente afastado...

Forma-se uma nova equipe, voltam a esperança e a promessa de grandes vitórias. Quatro anos mais de paixão validada. A torcida comemora, lança foguetes, dança, abraça, vibra, beija até a próxima desilusão. Repete-se a revolta, variam as mudanças, mas uma coisa é certa, o torcedor não vai trocar de clube.

A paixão futebolística, contrariando a definição do dicionário, é eterna. Alguns pedem até para ser enterrados enrolados na bandeira do clube. A certeza da mudança em momentos críticos é a cola que mantém torcida e clube unidos com a mesma identidade, e a força que promove este movimento chama-se cumplicidade.

Diz um antigo ditado popular que aquele que tem azar no jogo, terá sorte no amor, e vice versa. No futebol, o clube sempre vai estar sempre ali, ganhando ou perdendo, esperando pelo torcedor. Na paixão isto não acontece, às vezes um vai embora e não volta mais. No futebol se ganha, se perde ou se empata, quem vencer mais vezes é o campeão. No amor não é assim, quando um ganha, os dois perdem. Amor não é competição, é cumplicidade

Quando o jogo do amor estiver mal e o casal prestes a ser eliminado, vale a mesma técnica do futebol. Ainda existe a cumplicidade? Queremos ficar juntos? Amamos-nos de verdade? Vamos realmente promover uma mudança radical para sairmos vencedores? Você me ajuda e eu te ajudo?

Aproveite a lição do futebol e experimente então se apaixonar pela mesma pessoa várias vezes e por toda a vida. É simples, basta terem vontade de mudar juntos, quando preciso for. Com sorte, vocês descobrem que o abraço de quem se ama pode consolar e consertar com folga um coração partido pelo futebol.

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