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Drogas

Lúcio Packter
Filósofo Clínico


As melhores propagandas a favor das drogas talvez venham das pessoas que as atacam.Reprimir, tornar ilegal, desacreditar, exibir efeitos pejorativos, oferecer como contrapartida nossos preceitos sociais, isso é como combater o diabo mostrando o que ele tem de melhor.

E, mais ou menos assim, surgem textos inspirados como On the Road, de Jack Kerouac.

Uma das evidências que estatísticas do Ministério da Saúde reúnem aponta que muitas pessoas estão se entupindo com cocaína, chocolate, anestésicos, soníferos, perfumes, tinturas, bebidas e provavelmente o fazem, entre outras coisas, porque as drogas podem ser socialmente necessárias, como socialmente necessária pode ser a mania persecutória contra elas; esta razoável contradição torna as drogas muitas vezes o fascínio e o medicamento, sua prescrição indicada. Lembro que quando li El Horla, de Guy de Maupassant, pensei no quanto as drogas amenizaram suas terríveis vivências e se em tal caso não seriam elas quase uma indicação.

Quando faço palestras para médicos, como houve recentemente no Hospital Psiquiátrico, em Goiás, e me perguntam sobre o combate às drogas logo me recordo de Aldous Huxley, em seu livro de 1954, The Doors of Perception, e daquelas descrições de quando utilizou mescalina. Mais de uma vez fica grotesco uma sociedade, distante abismos e estrelas da coerência, da humanidade, da verdade e dos princípios que persegue com leis e recompensas; mais de uma vez é estranho que esta droga pareça desmerecer outras como ela. Seria bastante mais sensato, considerando a ordem geral das coisas, que hospitais e escolas atendessem e servissem drogas conforme cada caso e suas especificidades.

Ao comprar sabonete,cafeína, maquilagem a pessoa teria acesso a recomendações, advertências, explicações existenciais.

A sociedade sobreviveria sem necessitar de policiais estourando bancas de drogas ilícitas, sem muitos dos que vivem desta indústria de seqüestros e metralhadoras, sem muitas destas pessoas que procuram apagar incêndios fazendo fogueiras.

Provavelmente teríamos excessos e episódios a lamentar, mas isso seria melhor do que o que estamos presenciando no momento.

O modo como a droga vem sendo combatida é tão nocivo quanto o que se afirma dela. Causa estragos que tentamos evitar. Gera desconfiança, corrompe indiretamente as éticas, fecha portas que ao menos destravadas poderiam estar. E os resultados são evidentes.

William Burroughs é um exemplo destas contradições reunidas e vivenciadas nas diferentes opiniões. Primeiro em Junkie: Confessions of na Unredeemed Drug Addict, de 1953; depois do atendimento clínico, seis anos mais tarde surge Naked Lunch. Uma obra é a negação da outra.

Acredito que se contextualizarmos as drogas, da sociedade à subjetividade de quem as usa, certos padecimentos existenciais não precisam necessariamente ser tão dilemáticos e sofridos quanto tenho constatado em minha clínica.

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