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Fragmentos filosóficos delirantes XLIX*


"Só, incessante, um som de flauta chora,
viúva, grácil, na escuridão tranqüila,
— Perdida voz que de entre as mais se exila,
— Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões scintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranqüila.

E a orchestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... quem há-de remil-a?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora..."


"Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,

E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;

Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa..."


"Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda
Sem que amadornado eu atenda
A lenga-lenga fastidiosa.

Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.

Mas que cicatriz melindrosa
Há nele que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?

Ao longo da viola, morosa..."

*Camilo Pessanha

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