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MÉDICOS E MÁGICOS

Ildo Meyer
Médico e Filósofo Clínico
Porto Alegre-RS


Quando se trata de fazer um brinde, automaticamente pensamos em saúde. Poderíamos deduzir então que um dos principais anseios da humanidade seria uma vida saudável? Não é tão óbvio assim. O que significa saúde e de que forma será alcançada?

Parece que ao brindar, as pessoas imaginam estar fazendo um pedido mágico, como a um gênio da lâmpada, que eliminará qualquer doença que possa estar rondando. O trabalho e a preocupação serão transferidos para este ser poderoso e os “brindadores” não mais precisarão levar a sério os cuidados com o corpo, pois encontram-se protegidos. Só lembrarão da saúde na hora do próximo brinde ou quando ela faltar.

Quando surge um sintoma indicando que a saúde está de partida, não reconhecem, negam e postergam a procura por ajuda especializada. Iludem-se dizendo que contra eles a má sorte não acontecerá. Contam com a magia do brinde.

Não estou falando da previdência social, onde enfermos carentes necessitam e buscam tratamento, mas permanecem meses na fila, esperando o milagre de sobreviver até conseguir uma consulta médica. Isto é uma questão política ou talvez de falta desta. Nosso assunto aqui é saúde. Por que as pessoas não procuram o médico profilaticamente ou logo que surge um sintoma?

As causas parecem ser culturais. Ao procurar o médico o paciente terá que expor sua intimidade, talvez realizar algum exame invasivo desconfortável e ainda por cima, ser julgado e cumprir orientações restritivas (não fumar, fazer dieta, exercícios físicos, tomar medicamentos regularmente). Este tipo de comportamento exige empenho, cooperação e conscientização do paciente. Como as pessoas não acreditam que possam ficar doentes, é mais fácil ficar com pensamentos mágicos e contar com a sorte.

Outra razão para evitar o médico é o medo do diagnóstico. Se uma simples gripe se transforma em um dramalhão mexicano, imagine se o doutor diagnosticar um câncer ou um aneurisma cerebral? Quem procura acha! Optam por torcer pelo gênio da lâmpada e assim não enfrentar o médico e suas repugnantes investigações.

Às vezes pode até dar certo e a cura acontecer sem auxilio médico. Alguns sintomas são auto-limitados no tempo, funcionários de farmácias eventualmente indicam medicação correta, pesquisas na internet, palpites e conselhos podem ajudar, mas e quando tudo isto falha, a doença progride e os devaneios se perdem, o que faz agora nosso fragilizado “brindador” da saúde? Transfere imediatamente todos aqueles poderes imaginários para o médico, que será sua última esperança, o salvador, o mágico. Resignado, aceita agora encarar todos os inconvenientes em troca da expectativa de cura.

Desesperado, tenta marcar consulta. Consegue agendar para a próxima quinzena. Chega no horário marcado e aguarda por mais de hora pelo atraso do médico. A consulta dura exatos quinze minutos, o especialista requisita uma bateria de exames, prescreve analgésicos e marca um retorno na próxima semana para analisar o resultado dos exames.

De um lado da mesa, um médico realizando consultas expressas. De outro, um paciente vivendo em um mundo de faz de conta onde espera pela cura fantástica. Nada de empatia. Nada de confiança. Nada de lúdico. Nada de mágico. Com este cenário o coelho não sai da cartola, o paciente não vai ao médico e o pior de tudo, a doença é quem faz o espetáculo.

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