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Sim ou não?

Sandra Veroneze
Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS


Não sei se as pessoas ficaram mais espertas ou se os programas de televisão que perderam a graça. O fato é que há um tempo atrás era mais fácil se divertir em frente à telinha. Década de 80, mais precisamente.

Um quadro exibido no programa do Sílvio Santos, aos domingos à tarde, era insuperável. Não lembro do nome do jogo, mas as regras eram simples: o participante ficava trancado em uma cabine e podia responder somente sim ou não. Detalhe: sem ouvir a pergunta.

Sílvio Santos perguntava: “Você troca um par de chinelos por uma bicicleta?”. E a vítima respondia: ‘simmmm”. Sílvio Santos retornava: “Você troca a bicicleta por um fusca?”. A resposta: “nãooooooo”. Era hilário. Ao final da bateria de perguntas, o participante ficava com o prêmio que ele próprio havia escolhido.

Evidentemente, a posição mais confortável nessa brincadeira era a do apresentador, que definia as perguntas, a ordem delas e o prêmio que o participante poderia receber. Era o senhor da situação.

Para a plateia também era muito bom: se divertia horrores com o mico alheio, da mesma forma que o telespectador. Tudo bem que o participante poderia ficar com o prêmio e a fama, mas ser motivo de chacota sem garantia nenhuma de que seria bem remunerado é um tanto estranho.

Às vezes tenho a impressão de que na vida reproduzimos este jogo. Gostaríamos muito de ser o senhor da situação, definindo rumos e destinos, ou então ficar de fora, a tudo observando e se divertindo, sem se comprometer. Mas acabamos por assumir o papel da vítima/protagonista.

A pessoas, propostas e situações precisamos dizer sim ou não, mas nem sempre ouvimos a pergunta, ou conseguimos interpretá-la apropriadamente. De tudo temos uma visão parcial, fragmentada, e nesse contexto fazer escolhas dói.

Essa dor tem nome. É angústia. Sobre ela os pensadores existencialistas se debruçaram à exaustão. Sartre, por exemplo, fala com desenvoltura sobre a necessidade do ser humano se posicionar, como preço a ser pago pelo livre-arbítrio.

Viver, segundo ele, é fazer escolhas, e o próprio fato de não escolher já é uma escolha. Um fardo, na melhor das hipóteses, tanto que os pensadores existencialistas eram bem simpáticos ao suicídio.

Outro grande personagem da história que se dedicou ao tema foi o italiano Leonardo da Vinci. Porém, com muito mais entusiasmo. Ele treinava cotidianamente uma ferramenta que chamou de ‘esfumato’, literalmente esfumaçado.

Segundo da Vinci, um gênio sem dúvida, era fator de inteligência saber lidar com as incertezas – e então se posicionar. Uma grande aventura, tanto que fez da sua vida um brinde à arte e à inventividade.

Ou seja, um mesmo fato (a incerteza, a visão parcial, a necessidade de fazer escolhas, se posicionar) para uns é um peso, um fardo a ser administrado, e pra outros são impulso pra se superar, fazer melhor.

Nesse novo ano que inicia, em que o balanço de 2010 já está quase concluído e que a listinha de coisas a serem feitas em 2011 já se desenha, é bom ficar esperto e ver pra que lado nossas escolhas estão apontando, já que nessa história só nos cabe um papel: o de protagonista.

Em tempo: sob pena de também a vida perder a graça!

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