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Carinho

Sandra Veroneze
Jornalista e Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS


Outro dia estava sentada na praça central de uma cidade do interior, deliciando-me com um dos meus exercícios preferidos: observar. O meu olhar se interessa por pessoas, animais, plantas, detalhes das casas e tudo mais que possa compor o cenário.

Como há alguns dias estava frequentando esta praça, e apaixonada por bichinhos que sou, acabei fazendo amizade com um cachorrinho viralata todo preto, lindo, que passa seus dias desfilando seu charme por aí e ansioso por carinho e bom trato.

Pois este cachorrinho, que é um doce de amável, caiu na antipatia de um menino, que insistia em lhe dar chineladas. Observei a cena e comecei a me irritar. Disposta a defender o cão, me ergui e fui até o local onde agora estavam o cachorrinho, o menino, e mais duas meninas que defendiam o animal.

Perguntei ao menino porque batia no cão e a resposta foi de este o havia mordido, ou tentado, afirmativa diante da qual as meninas prontamente se manifestaram: ‘é mentira’. Sinceramente, não acredito que o cão o tenha mordido, ou tentado, a menos que um ato de brutalidade inicial tenha partido do menino. Também não acredito que as chineladas que o menino dava no cachorro tinham por objetivo machucar, ou mostrar alguma autoridade, ou repreender.

Sabe o que acho? Esse menino é tão carente quanto o cão, mas não sabe dar e nem pedir carinho. Talvez tenha aprendido que docilidade não é coisa pra ele, e então o jeito que encontrou de encostar no bichinho, trocar algum calor, tenha sido o da brutalidade.

Pois é. Nós seres humanos somos assim. Mandamos mensagens contrárias muitas vezes. Se queremos compreensão, passamos o tempo todo reclamando que o mundo não nos entende e assim fechamos as portas pra qualquer entendimento. Se queremos carinho, nossa carência e revolta por ela nos faz agredir.

Mais fácil seria, quando queremos carinho, sair correndo atrás da pessoa se abanando todo, disposto, feliz, com os olhos dizendo ‘você é meu dono, você é tudo pra mim, olha como me rolo, me sacudo, me entrego pra ti. Te adoro, vem cá, vamos brincar”. É assim que os cães fazem, e, convenhamos, quem consegue resistir? É muito mais fácil gostar de um cachorrinho do que de um menino como este das chineladas, porque no cachorrinho abunda, e é de forma explícita, o seu desejo por troca, por afeto...

Eu acredito que humanos e animais têm uma natureza disposta à troca, ao amor, ao carinho, à compreensão. Mas acredito que os animais têm uma vantagem sobre nós: são muito mais dispostos. E o motivo é simples: pra eles, todos são merecedores de atenção.

Nós, seres humanos, antes de uma entrega ficamos avaliando, pensando, ponderando, e nesse processo, muitas vezes, nos podando. Claro que motivos não faltam, e nesse sentido pesam argumentos como histórico de frustrações de cada um e o fato de existir gente mal intencionada mesmo. De qualquer forma, 1 a 0 para os animais.

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