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Ilhas de risco

Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ


Desde que nascemos, ou mesmo antes de sermos concebidos, quando bilhões de metades percorrem longos e vagos impulsos para cumprir metas que sequer têm consciência, perdendo-se e chocando-se contra o desconhecido e contra si mesmos, parece que temos impressa uma característica de risco, de um ‘não sei o que pode acontecer’, tal como um caminhar no vazio, por entre penumbras e sensações desavisadas, sempre expostos ao inusitado ato de sobreviver.

O exercício da vida pode ser traduzido como uma constante respiração suspensa, onde desafios nos remetem a desbravar trilhas sinuosas e realizar escolhas, como se os desdobramentos existenciais futuros dependessem da nossa capacidade intrinsecamente humana de resistir e se sobrepujar aos acontecimentos e devires a que estamos constantemente nos expondo.

Estranho é supor que há risco em qualquer momento, talvez a todo instante, e não importa a que representação de mundo nos remetemos, o fato é que não há como ficarmos imunes a esse estranho controle que nos escapa, sobre o qual na realidade não temos controle algum.

Somos como ilhas desgarradas, à mercê de um complexo sistema de mundo do qual somos parte e ao qual estamos sujeitos. Contribuímos com a pura existência, com o simples ato de existir, para que o todo seja o que é, pois certamente não seria completo se não fizéssemos parte desse movimento que, ao mesmo tempo em que nos conduz ao risco, nos torna inerente a ele.

E assim estamos permanentemente vulneráveis e constantemente impelidos ao caminhar, ao fluxo contínuo, constante, do tempo e do espaço que nos remete a vivências onde nossa matéria se exprime, incapazes de resistir. Nossa condição humana nos incita a experimentar visões de mundo que se modificam com a velocidade da nossa percepção ou da condição cultural ou existencial.

Experimentamos igualmente emoções e infindáveis pré-juízos, que possuem muitas vezes o poder de nos reduzir a meros observadores ou reprodutores de comportamentos preconcebidos, que, por sua vez, geram novos comportamentos, muitos já envelhecidos.

Mas para muitos é nesse instante, o do olhar ou da inconcebível magnitude da consciência de vida, do estar vivo, de ter representação e legitimidade no espaço e tempo em que estamos inseridos, neste instante ímpar, é que se tem a chance do entendimento da extensão da nossa significância e consequente exercício de um papel existencial profundo, que confere diferença e nos salva do risco constante.

Perpetuar o espanto gerado pela percepção da consciência de si mesmo e pelos desdobramentos desse assombro pode nos permitir a redenção dessa condição quase fatídica de cooperação com esse risco inevitável, ainda que a condição humana da mortalidade continue a nos conferir força e fragilidade através da nossa fugaz realidade, aquela que chamamos de existência.

Somos ilhas e somos universos, desafiando nossa própria dimensão, refletindo sobre ir além, assim como sobre flores e canções, ao mesmo tempo em que nos rendemos às intempéries que o capricho da natureza nos oferece a cada manhã.

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