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Helena quer voltar para casa*

(Jardins da Universidade Moura Lacerda, em Ribeirão Preto)


Ela me disse que primeiro afastou o sorriso logo que se casou e teve o primeiro filho. O sorriso a incomodava porque revelava seu ar maroto, ameninada e, agora que era casada, sua demanda dizia respeito a ser mulher.

Com o sorriso, perdeu também um aspecto jovial que tinha e que somente era possível compor tendo como elemento seu jeito de alegrar o rosto. O cigarro que usava, ocasionalmente, deixou ao engravidar. Logo o cigarro, um cigarrinho ou dois por semana, que fumava inclinando a cabeça, enchendo-se de esperança.

Com o marido aprendeu a não se expor socialmente, o que incluía evitar com alguma cerimônia importante comentários sinceros sobre qualquer um. A sinceridade passou a ser utilizada em casa; na rua passou a se estranhar em várias situações.

Helena um dia me perguntou se Fausto, de Goethe, em meio ao pacto, que ela entendia como concessão, não se perdeu de si mesmo. Helena compreendia que fez concessões sucessivas, algumas insignificantes _ caso não estivessem associadas a outras cruciais. À medida que recuava, acatava, partes dela ficaram pelo caminho.

“Onde foi que eu perdi o meu sorriso, a minha esperança, Dr. Packter? O senhor constatou em qual parte da minha história isso aconteceu?”

Eu não sabia responder quando a pergunta surgiu pela primeira vez. Nas vezes seguintes em que a pergunta retomou a própria Helena soube responder. Retornamos em muitas ocasiões ao que ela necessitava recolher e ser novamente. Mas Helena havia realizado concessões demais.

“Fui longe demais em meu casamento. Fui longe demais para poder voltar agora. Algumas partes de mim se foram para sempre”.

Interessante que Helena tenha trazido o Fausto, de Goethe, como comparação porque Fausto aparentemente se encontra e se salva.


*Lúcio Packter
Pensador da Filosofia Clínica

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