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De que tamanho somos?*


De olhos vendados mergulhamos
Sem noção de porvires
Sem absolutamente nada a respaldar o horizonte
Nada que se defina, nada que transpareça
Só a linha que se desdobra incansavelmente
A nos esperar e a resguardar o infinito
Que se retrai indeciso
Rumo ao vazio distante e desafiador da imensidão à frente
Luana Tavares


Ainda que vislumbrássemos o infinito, interna e externamente, qual seria o sentido de tudo? Onde poderíamos estar ou até onde chegaríamos? Quais seriam as probabilidades de reconhecermos o que realmente somos? E qual a dimensão racional que nos conduziria de volta?

A probabilidade de haver respostas é mínima, não haveria como dar conta da dança que continuamente nos embala, no sono da imprevisibilidade, e que nos conduz ao eterno, não importando a forma como este seja concebido.

Será que entenderíamos a dimensão do improvável? Ou será que alcançá-la não pertence à realidade, mas somente aos sonhos? Talvez apenas não sejamos solitários o suficiente para deixar que a correnteza nos leve, ou fortes o bastante para soltarmos as raízes que nos alimentam.

Quanto ao eterno, este pode ser o etéreo distante para o qual alguns se curvam ou simplesmente a porta contígua que se abre a um simples e suave toque... depende da intencionalidade ou da conexão com o outro lado que também faz parte do que somos. Depende de nossos desejo, de como realmente nos sentimos, do que transparecemos ao olhar divino que nos observa. E para acessar a eternidade precisa-se apenas da permissão reversa da que a realidade concede... não é preciso tempo, mas sensibilidade.

Ao vislumbrar o infinito não entenderíamos, talvez, os extremos a que estamos submetidos tanto na imensidão dos vazios que nos envolvem quanto nas conexões a que estamos sujeitos. O todo, que apenas imaginamos, pode estar em tantos lugares: tão perto que não conseguimos enxergar ou tão longe que não conseguimos alcançar.. ou ainda em nenhum outro.

Mas, afinal, de que tamanho somos? Qual a ideia que fazemos sobre nós mesmos e o que é possível apreender desse todo inimaginável? A imagem da física que nos compõem é tão assustadoramente tênue e sem nexo, que talvez pudéssemos nos perder nos vácuos que permeiam nossa essência peculiar e nos perguntarmos qual o sentido da existência; qual, afinal, o teor de tudo o que fazemos, pensamos, criamos, cuidamos, qual o teor do nosso ser que se manifesta em movimentos sutis, abruptos e surpreendentes?

E será que importa saber?

Alguns ficariam cegos ou loucos se pudessem encontrar-se; outros passariam despercebidos de si mesmos, como se sombras circulassem ao seu redor e esvaziassem sua verdadeira essência. Em meio à música das esferas que bailam à nossa volta, contribuímos para o espetáculo, tecendo a teia que conecta e jogando a rede que captura, mesmo que desnudando crises e revelando abismos.

O que nos resgata é que há poesia até mesmo quando dissecamos singularidades e extraímos flores de sistemas improváveis, perpetuando a beleza da simbiose existencial que, generosamente, nos provê o sentido de permanência, de mudança, de transitoriedade, de coerências múltiplas, ainda que dissonantes... e que também nos possibilitam renovação e permanência, atentas à infinitude e ao profundo sentido do que realmente somos ou seremos... ou do que nunca será.

*Luana Tavares
Filosofa Clínica
Niterói/RJ

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