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Divagações II

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG


No texto Divagações I, discorri sobre o tema da limitação do conhecimento, também comentei sobre o caráter subjetivo desse conhecimento, ainda que o referencial seja o mesmo para todos os sujeitos. Agora tratarei sobre nossa relação com o todo, o mundo ou o universo. A proposta é pensar nosso lugar diante de ou em meio ao que nos rodeia e encontrar onde nos situamos e ao mesmo tempo pensar em que nos destacamos diante de tudo isso.

O que nos diferencia de todos os seres vivos da Terra? Somos biologicamente constituídos dos mesmos elementos. Entre os seres de constituição simples ou complexas, seus elementos são os mesmos que estão presentes em nós. Quando deixarmos de ser, nossa constituição se desfará e se tornará parte de outras coisas. O que resta enquanto vivemos, que nos torna privilegiados? O fato de reconhecermo-nos parte desse todo.

Ainda que nos julguemos superiores a tudo o que temos consciência, perdemos o foco metafísico do mundo. Metafísico aqui não no sentido de algo além do “mundo físico” ou nenhuma afirmação além de tudo o que é e que temos acesso. Metafísico nesta divagação se encontra no sentido de totalidade de tudo o que é enquanto é.

Outro nome para metafísico é ontológico. Etimologicamente ontológico trata do ente enquanto ente, ou seja, do ser sendo, existindo, enquanto existe. Em outras palavras, ente designa o particípio presente do verbo ser, portando, poderíamos traduzi-lo também enquanto “sendo” ou simplesmente existindo.

Voltando à questão metafísica de nossa situação ou de nossa constituição, pensemos na distinção do que somos para os demais entes contidos ou partícipes da natureza. Somos parte, ou integrantes da totalidade que é. Em momento algum podemos nos abster de vivermos ou de constituirmos a totalidade da qual somos parte.

Por sinal, uma ínfima parte dessa totalidade que denominamos universo. Se nossos olhares não são passíveis de abarcar o todo, as ciências humanas apenas apontam, com constantes tentativas de aproximação, referências do quanto somos pequenos diante desse todo do qual fazemos parte.

Diante desse todo e de nossa participação, não precisamos desfazer da importância de nossa observação. Aliás, mesmo que seja para nós mesmos importante sermos capazes de nos maravilharmos com tudo o que nos constitui, o privilégio é totalmente válido. Desde uma criança que deita no chão à noite e ao olhar para o céu contempla as infindáveis estrelas, até um astrofísico que observa com seus aparelhos de última geração as constituições mais complexas do cosmos, somos um grupo privilegiado.

Se estamos ou não sozinhos no universo (enquanto mentes conscientes ou apenas como seres dotados de vida, como as formas elementares da microbiologia), não importam agora. O que nos torna únicos é o modo único de nos percebermos nessa totalidade.

E talvez o erro maior esteja em nos outorgar a centralidade ante o todo, subestimando todas as demais formas de vida que nos circundam. Destruir tudo o que está em nossa volta para atender nossos interesses torna a Terra mais austera conosco. Entretanto, mesmo que morramos, este mesmo planeta terá seus próprios meios de refazer-se e, com outros meios de vida, repovoar e reorganizar a fauna e a flora. Portanto, quando se fala em cuidar da natureza, não nos preocupemos com a vida na Terra, pois esta continuará de alguma forma. Preocupemo-nos com nós mesmos, que não sobreviveríamos com pequenas mudanças climáticas.

Voltando à nossa diferenciação em relação aos demais seres, pensemos no fato de sermos capazes de nos reconhecer únicos, subjetivos, singulares, conscientes de que somos finitos, que constituímos o mundo e que somos aptos a vislumbrar tudo a nossa volta e gozarmos do que vivenciamos.

Enquanto um apaixonado pelo estudo da filosofia vejo que diversas observações filosóficas de mundo que pude estudar até agora são inteiramente criações únicas de pontos de vista. Adentrar nessas visões é caminhar por outros meios de visualização dessa realidade que chamamos mundo.

E a cada caminho que percorro ao adentrar no universo de pensamento de um filósofo, mais meu modo de ver o mundo abrange. E quanto mais abrangente o modo de ver, mais me reconheço pequeno ante a totalidade de tudo o que é. Mais o olhar metafísico ou ontológico se expande.

E qual seria a “vantagem” de tudo isso? Bem, eu só tenho uma oportunidade de ver o que vejo. Ou seja, com apenas uma vida eu somente teria um olhar e uma perspectiva para vislumbrar.

Acompanhando filósofos, escritores literários, artistas, poetas, pensadores de ordem diversa, o zelador do prédio, o vendedor da esquina, o empresário, meus amigos e familiares – com o conhecimento adquirido de modo subjetivo tal como citei em minha primeira divagação –, sou capaz de abranger minha visão e viver essa vida como se eu fosse muitos e se pudesse viver as várias experiências sendo apenas um. E aí está a vantagem, ou dito de melhor modo, o privilégio de tudo isso.

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