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Divagações III

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG


Depois de alguns dias com essa divagação escrita, me deparei com um fragmento a partir de uma leitura aleatória de Nietzsche e achei pertinente expô-lo como abertura ao texto. Entretanto, que seja reconhecido como trecho introdutório à divagação e não como fio condutor das reflexões desenvolvidas.

“Há, frequentemente, uma espécie de humildade estúpida que quando nos afeta, nos torna para sempre impróprios para as disciplinas do conhecimento. Pois, no momento em que o homem que a transporta descobre uma coisa que o choca, dá meia volta, e diz consigo: ‘Enganaste-te! Onde é que estavas com a cabeça? Isso não pode ser verdade!’.

E, ao invés de examinar mais de perto e de ouvir com mais atenção, desata a fugir, como que intimidade, da coisa diferente, e evita encontrar aquilo que o choca e procura esquecê-lo o mais depressa possível. Pois a sua lei interior, diz: ‘Não quero ver nada que contrarie a opinião corrente. Serei eu feito para descobrir novas verdades? Já existem muitas antigas.’” (Nietzsche, A Gaia Ciência §25, pp. 56-57).

Continuando as ideias apresentadas no texto da série “Divagações” anterior, pensaremos agora acerca da limitação do conhecimento e da pretensão de querer dar conta com respostas apressadas. Como podemos notar, historicamente muitas coisas foram sendo conhecidas, ou devidamente explicadas.

Em séculos de existência humana podemos explicar tudo? Evidentemente que não. Entretanto, não resolve nada responder valendo-se de concepções de mundo oriundas de pensamentos imaginários claramente criados mentalmente ou com quaisquer outras formas.

O que motivou a busca humana por compreender ou aprender sobre toda realidade reconhecida foi exatamente a inquietação gerada pelo desconhecimento e a crença de que seria possível chegar às respostas. Séculos de desenvolvimento ocidental, por exemplo, nos deram matemática (vinda do oriente), física, sociologia, lógica, gramática, psicologia, engenharia, ciências das mais variadas formas, e a tão antiga e persistente na atualidade, a filosofia.

Todas elas deram conta de todas as nossas questões? Não. Mas, por meio delas foi possível saber como se formam desde as nuvens e as chuvas, os raios e trovões, até o nascimento e morte de uma estrela. Nas questões mais próximas, coisas como falar com alguém do outro lado do mundo vendo sua imagem e ouvindo sua voz é possível hoje pela internet. Isso para citarmos apenas algumas conquistas das mentes inquietas da humanidade.

E tratando de inquietação, os acomodados geralmente não foram tão longe. Quem se conformou em compreender que ao fazer ofertas a Deméter conseguiria uma colheita farta ou quem fizesse o devido culto a Poseidon conseguiria navegar em paz, ignorou o desenvolvimento da agricultura com técnicas avançadas, bem como o desenvolvimento dos modos de navegar cada vez mais dependentes de aparelhos e com precisão cada vez mais apurada.

Inquietar-se com algo que desconhece deve motivar o conhecimento desse algo e não buscar qualquer resposta. Cada época da humanidade cria seus próprios mitos para responder a questões atinentes à realidade*. Diversos fenômenos ainda não respondidos carregam em si diversas respostas “prontas”. Mas, as respostas mais esclarecidas estão em quem não se contenta com pouco.

A humildade da humanidade está em saber que sua característica mais intrínseca está em reconhecer o ambiente no qual transita. E, por consequência, saber que jamais dará conta de responder tudo. Entretanto, isso não cede o direito de dar respostas absurdas e esperar que todos concordem. Alguns simplesmente viverão toda sua vida com respostas que encobrem a inquietação.

Outros, pelo contrário, viverão no sentido de buscar compreender e tentar deixar seu legado de reconhecimento da vida e do mundo para os que vierem depois. Mas, que fique claro que não se pretende emitir juízo de valor perante isso. A humanidade caminhou assim até hoje e provavelmente continuará desse modo.

A intolerância mútua tanto dos que não queriam deixar suas posições confortáveis quanto dos que em nome de vislumbrar novos horizontes, é claro. Principalmente dos primeiros. Mas, esse assunto não cabe ser desenvolvido aqui. Que fique como questão a ser pensada. Talvez desenvolva nas próximas divagações.

Enfim, a finalidade dessa reflexão foi atentarmo-nos para a inquietação diante do que não conhecemos. Adquirimos grandes progressos por meio dos que buscaram. Não foi a toa que Thomas Edison registrou em suas descobertas 2.332 patentes, dentre as quais está a lâmpada elétrica. Podemos deduzir que se o homem se acomodasse com a possibilidade de viver sob a luz de uma vela ou de uma lamparina a gás, dificilmente chegaria a tais resultados. Impossível talvez seja uma palavra desconhecida para os que vivem a inquietação.

Quer viver em seu mundo tranqüilo? Fique à vontade. Mas, jamais queira impor barreiras às inquietações de quem quer mais. Pois, são os inquietos que nos legam grandes bens. Bombas atômicas, armas de fogo, anthrax? Sim, estas são destrutivas invenções humanas. E estão ao lado das vacinas, aviões, carros, internet, computadores, geladeira, medicina, produção em massa de livros, televisão, rádio, produção em massa de alimentos, etc. E que a última palavra não seja “sei”, mas “não sei, vou procurar saber”; e se não sei, não sei. Respostas fáceis não dão conta de acalmar mentes inquietas que querem sempre mais.

* Tratarei de conceitos como “realidade” nas próximas divagações.

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