Pular para o conteúdo principal
Anaxímenes e o aproximar-se do que não distancia

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG


Anaxímenes, continuador do processo iniciado por Tales e discípulo de Anaximandro, escreveu uma obra intitulada Sobre a Natureza. Esse filósofo voltou sua atenção à meteorologia e foi quem primeiro disse que a Lua recebe luz do Sol. Embora pouco se falou dele na nascente história da filosofia, foi considerado o principal da escola de Mileto, da qual vieram os dois filósofos supracitados.

Depois de Tales postular que o elemento fundamental do todo é a água e Anaximandro dizer que é o ápeiron, indeterminado, ilimitado, Anaxímenes apresentará outra tese. Segundo este, o princípio é o ar. Mas, ao introduzir essa definição acrescenta definições por analogias que geram uma série de interpretações. Primeiramente, nos voltemos para o que disseram os comentadores de suas sentenças.

Simplício diz que assim como os filósofos predecessores, Anaxímenes afirma uma natureza como subjacente a tudo. Entretanto, ao contrário de Anaximandro, que postulava um ilimitado que é também indeterminado, agora o ilimitado é determinável, é o ar que “Rarefazendo-se, torna-se fogo; condensando-se, vento, depois, nuvem, e ainda mais, água, depois terra, depois pedras, e as demais coisas (provém) destas” (Simplício, Física, 24, 26 (DK 13 A 15)).

O movimento, que em Anaximandro é o próprio ápeiron, agora é causado pelo ar que o eterniza. Esse ilimitado não o é em quantidade, logo não são vários os princípios. Seu caráter ilimitado está em sua grandeza, aplicável na concepção de princípio tanto de Anaximandro quanto de Anaxímenes.

Hegel postula que tal como Tales, Anaxímenes precisava de um princípio que fosse sensível. Mas, ao invés de lançar mão da água, optou pelo ar que “possui, ao mesmo tempo, a vantagem de ser o mais liberto de forma” (Hegel, Preleções sobre a História da Filosofia).

Como dito no texto sobre Anaximandro, os comentadores, em especial os modernos, trazem as ideias dos filósofos e buscam neles fundamentação para sua concepção filosófica. Com Hegel isso não é diferente. Como um filósofo em busca de construir um sistema que desse conta de toda a realidade, Anaxímenes poderia conferir alguma ajuda nesse sentido. Sua tradução do fragmento ficou do seguinte modo:

“Como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos (syncratei), assim um espírito (pneuma) e o ar mantêm unido (periékhei) também o mundo inteiro; espírito e ar significam a mesma coisa” (Hegel, Preleções sobre a História da Filosofia).

Hegel se valerá da questão da alma como espírito tratando do ar para postular que o pré-socrático tirou o caráter objetivado da análise para voltar-se à consciência. Ele vai considerar que a anterior filosofia da natureza, toma caráter de filosofia da consciência. O que antes dava origem era visto de modo objetivo, passa a ser subjetivado de tal modo que se encontra na consciência. Concepção perfeita para um postulado de dialética rumo à manifestação do Espírito Absoluto culminado na filosofia hegeliana.

Dentre os fragmentos que nos chegaram, optarei por apresentar o que se encontra em Aécio:

“Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém” (Aécio, I, 3. 4)

Agora me atrevo a fazer algumas considerações pessoais acerca desse fragmento. O ar era comumente apresentado como elemento vital, de tal modo que alma, anima, nada mais é que a afirmação de um ente, corpo, dotado de vida. Um ser “animado” é um ser cujo ar está presente, a vida está contida nele.

Ora, o ar é algo que designa a vida e é ilimitado ao mesmo tempo em que é determinado como sensível, e concomitantemente designado como princípio como aceita a exposição hegeliana da concepção de Anaxímenes. O próprio Hegel foi quem afirmou a necessidade de Anaxímenes de deixar o elemento indeterminado, para voltar-se para uma consideração na qual ele estivesse sensível.

Então, pensá-lo como consciência, como algo próprio de uma subjetividade criadora ou consciente de sua projeção, seria o mesmo que dar uma não sensibilidade e tirá-lo da totalidade para deixar a cargo do homem dotado desta consciência para dar sentido ou dotar de fundamento algo que já é antes que dela nos demos conta.

Vejo Anaxímenes na mesma linha de seus predecessores que, em busca de algo que desvele a totalidade de tudo o que é em busca de seu elemento unificador, depare-se com algo que de tão além é ao mesmo tempo tão presente à percepção aguçada que chega a não ser notado. Tomando distância ou aproximando-nos ao máximo do que é não nos permite ficar à parte dessa totalidade.

Somos tão parte, que somos tentados a ver como se fôssemos distintos para melhor enxergar, e novamente voltamos ao inevitável: enquanto constituintes da totalidade por mais que nos distanciemos, continuaremos parte e inevitavelmente passíveis de nos encontrarmos ofuscados com o que se nos desvela a cada aproximar-se daquilo que jamais nos distanciamos.

Comentários

Visitas