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Sobre flores, jardins e tristezas*


Cansado de retirar a ervas daninhas dos canteiros que encantam minha alma, sentei-me a beira das minhas desesperanças. O frio do outono que chegava de mansinho anunciava tempos de despedidas. Mas como despedir-me das flores que um dia eu tinha cultivado com tanto amor? Elas eram minhas amigas e por dias sem sol haviam me devolvido a alegria das noites estreladas.

Tudo parecia em vão... O que antes havia sido um jardim florido hoje estava perdido numa selva de desilusões. Mas elas ainda estavam lá... Não poderia deixá-las morrer sem antes tentar salvá-las. Mas o cansaço das tardes de muitos dias anunciava-me o tempo das despedidas que estava chegando. O outono ia cumprir seu papel. Não raras vezes ele veio visitar-me. As folhas verdes de outrora estavam amareladas pelo tempo de incertezas. Outras novas iriam nascer e dar vida nova as que foram sepultadas por um vento sereno que as levou para longe de mim.

Não gosto de despedir-me do que em mim faz parte. De tudo o que se foi ficou a saudade do que um dia já vivenciei. Os poetas bem sabem a minha angustia da dor de deixar partir o que em mim ainda está vivo. Não sei viver de ausências. E por isso choro pelas dores que em mim gritam nas noites sem fim. Meu coração é muito pequeno para tantas saudades. Talvez se meu jardim fosse maior e minhas esperanças mais verdes... Talvez eu ainda conseguisse recuperar aquelas flores que estão morrendo... Quem sabe se eu despedisse a saudade e ela nunca mais voltasse aqui, nesta cozinha onde bebo agora o café do medo...

Tenho medo... Muitos já tiveram! Jean-Paul Sartre sabia muito bem dos medos que carrego em mim: “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. Vergonha não tenho! O que eu tenho é medo mesmo! Medo de deixar partir com o que me acostumei. Medo de ficar só. Medo da ausência de mim mesmo. Muitas flores já se foram e sempre levaram uma parte de mim. Sou sempre um fragmento daquilo que se foi.

Os ventos do outono levam sem pedir as folhas de esperanças e sorrisos. Não sei se quero abrir mão das margaridas e das rosas que um dia alegraram minhas manhãs. Sei que a tristeza invade minha alma, como um frio que congela todas as certezas que sempre sei serem incertas. Certezas não tenho. Tenho apenas a ausência como metáfora do que em mim ficou sacralizado.

Lembro-me que em uma manhã enquanto minha xícara de chá ainda fumegava, olhei pelo vidro da janela desta mesma cozinha e contemplei a dor de ver meu lírio já morto. Minhas lágrimas se misturavam aos poucos com a camomila do chá que não mais me tranquilizava. Um lírio de muitas estações e doces sorrisos. Cultivei aquele lírio com as dores de muitas esperas. Molhei muitas vezes aquela terra que agora o sepultaria com lágrimas de infinitas esperanças. O lírio foi embora, mas o que em mim ficou foi à saudade da beleza que ele em todas as manhãs me anunciava...

Não sei despedir-me do que plantei neste terreno chamado vida. Sei apenas que aquilo que se for estará sempre vivo nos canteiros da saudade de meus silenciosos outonos.

*Pe. Flávio Sobreiro
Poeta, Filósofo Clínico
Cambuí/MG

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