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Trabalho, uma atividade da alma

Rosângela Rossi
Psicoterapeuta, Escritora, Filósofa Clínica
Juiz de Fora/MG


Falar do trabalho de uma maneira poética e estética poderá parecer uma viagem de alguém fora do tempo presente. Tempo este que só pensa o trabalho numa visão econômica e finanveira. Grande engano!

O trabalho como sagrado ofício, fenômeno psicológico instintivo, é uma atividade da alma, das mais sofistificadas e essenciais para uma vida potente e vibrante.
Busque apenas o pagamento em dinheiro, as vantagens financeiras e deixe de lado as necessidades da alma, que logo,logo estará engolido pela alienação de um trabalho enfadanho. Feliz morte lenta!

Facilmente nos sentiremos escravos se ligarmos o dinheiro apenas ao trabalho. A linguagem financeira eliminou a linguagem da alma para falar sobre riqueza, crédito, poder de comprar e venda, juros, débitos , passivos e ativos. O trabalho perdeu seu encantamento e seu verdadeiro sentido de valor, quando a alma foi abandonada.

Ao fecharmos o trabalho na busca contínua por dinheiro, o colocamos no altar monoteísta. Fixamos nas especializações, mergulhamos na compulsão e a queixa e a insatisfação contínua domina os egos ora inflados, ora vitimizados, deixando a poesis e o prazer da opus trancafiados nos complexos psicológicos.

Hillman nos convida a pensar o fazer a alma: -"Quando falo de fazer a alma, estou imaginando o opus da alma como um trabalho que é semelhante a um artesanato, cujos modelos viriam das artes".

Assim, se considerarmos o trabalho como parte da nossa opus, da nossa individuação, prestaríamos mais atenção na maneira como trabalhamos e o trabalho aqueceria nossa alma e vibraríamos a cada dia com as possibilidades criativas no exercício do fazer.

O trabalho como instinto natural se perdeu. Confunde- se hoje com a gratificação de ser recompensado pelo pagamento em espécie. O prazer do sagrado ofício em ação não tem mais valor para a maioria. Daí a grande crise existencial que percebemos, levando a depressões e a extensos conflitos.

A maioria não compreende o sentido e significado do trabalhar e vê nele apenas uma busca de pagamento, um salário maior e como resultado percebe que o salário sempre está aquém dos desejos. A frustração e a insatisfação toma conta das egos fragilizados, desaparados e distanciados da alma.

A alma clama pelo amor ao trabalhar. A sociedade de consumo desvaloriza o trabalho colocando em primeiro lugar o "esforço" heróico e a seguir o prazer egoíco do consumir e competir. Viramos todos rôbos cansados e sempre infelizes, pois quase nunca alcançamos o sonho idealizado de perfeição e poder.
Quando a alma toma a frente no exercício de trabalhar, o prazer tira o amargor do considerar o trabalho como algo duro, suado, difícil, tenso, escravizante. Esta imagem negativa ficou agendada para a maioria. A alma recupera o prazer, o prazer com alma.

Muito importante lembrar que ao deprezarmos as sombras, os complexos, as tragédias, os acontecimentos negativos, como parte da vida, tenderemos diante o trabalho, fixar nas infinitas reclamações. Esquecemos que trabalho dá muito trabalho e é um ritual, que tem suas chatices, bloqueios, repetições, perda de tempo. A alma exige muito de nós. É assim o caminhar pela escuridão. Engano pensar que o trabalho é o tempo todo prazer. Nem por isto perde sua beleza.

A consciência do ritual, das dificuldades, dos desafios fazem parte e esta é a beleza do mais sagrado ofício. Imagine a poeira que Miguelangelo teve que enfrentar para lapidar suas estátuas de mármore? Quando a obra está pronta parece que o trabalho foi fácil.

Esta é a grande magia que o trabalho como atividade da alma nos impoēm. Temos altos e baixos, dúvidas e certezas, prazer do nosso puer e crítica do nosso senex. Há uma dialética natural entre o sentimento de fracasso e sentimento de ambição, poder e perfeição. É a trajetória de nossa jornada de trabalho como atividade da alma.
O que importa é retornar o trabalho para onde ele sempre habitou, a alma. Devolver a ele a poesis e a estética. Só assim o peso toma outra imensão e se faz mais brilhante compondo uma singular realização.

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