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Diante da folha em branco*

Escrever é uma catarse... quase um delírio. Difícil até mesmo dimensionar.

Um movimento que transborda, vindo do que ainda falta ser dito, do que nem mesmo se entende, do que se pretende ou não e até do que não se consegue dizer.

Vindo do âmago ou da superfície, não importa. O que conta é que costuma vir da alma, do que reconhecemos em nós mesmos; daquilo que se desafia, se precipita e se extingue. Uma eterna página inacabada; um eterno devir.

Escrever é quase solitário, imprevisível, incrivelmente confortador!

Mas não é um caminho simples. Que ninguém pense que é corriqueiro ou mesmo obviamente possível externar o que se sente ou o que se pensa. Pode ser até doloroso... de uma dor que machuca, mas que também compensa e se redime pelo sofrimento provocado, curando e renovando. Por conta do seu movimento, é uma ação autorreflexiva, autoflageladora, de onde não se prevê a consequência... quase uma loucura, exacerbada pela irresistível ação que a motiva.

Aliás, frequentemente ocorre que tudo se misture ou se condense na penumbra de uma nuvem obscura e cinzenta, onde o olhar turva e confunde o que vislumbra. É isso... escrever é um encantador vislumbre! Pode acontecer do ser se evaporar ao final de cada ponto ou reticência... mas é preciso lembrar que até a vida, às vezes, é reticente... é extensa... é turva. Então, pouco há o que fazer. E nada que uma nova respiração não reanime.

Escrever concede essa possibilidade assustadoramente autogênica, transformadora, que abre as comportas da imaginação no momento em que esta se permite esvair. É um alento para quem se rasga e se emenda. Restaura e reedita emoções.

Oferece à alma a chance de se regenerar, de se expor, de se extorquir, de se recompor. Tudo sem se render a nenhum caminho do meio, a nenhuma máscara, pois não é permitido um caminho do meio para a expressividade que se dispõe a vazar.

Ainda que se apague e se reescreva, ou mesmo que se amasse o papel ou delete a ideia, o que gerou as linhas aconteceu, existiu e tomou forma, nem que por um só instante. A entropia reflexiva aumenta, mas ao contrário do que se supõem, não degrada; na verdade, agrega contribuições múltiplas ao constante exercício expressivo.

As palavras são simplesmente ferramentas que concretizam o fluxo da imaginação. Por elas, nos revelamos, mesmo que se revelem mudas em seu grito ou construídas pelo silêncio.

Mas escrever é, essencialmente, um prazer, uma deliciosa aventura, que lança o que se desnuda para muito além do que imagina.

Não há limites possíveis... não há fim imaginável... não há horizonte que se esgote... até mesmo porque não há como deter o sentimento, a dor, o prazer, a saudade. Não há um fim! Pois quando a alma expele a lava intensa, não há fuga possível. Ou melhor, a lava é a fuga!

*Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ

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