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Solidão Singular*

Foi Clarice Lispector quem escreveu: “Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”

Na alma humana existem prisões e campos de liberdade. Perspectivas diferentes que habitam manhãs e tardes no tempo de cada coração em silêncio ou canção. Diante da singularidade da vida, cada ser humano irá vivenciar dentro de si um jeito diferente de ver e viver sentimentos e sensações que são próprias de sua historicidade, cultivadas no solo dos terrenos de suas experiências únicas e outras vezes plurais.

No tempo e no lugar de cada história a solidão pode ter um papel fundamental ou destrutivo. Contudo ela pode ainda não ter nenhum papel existencial tendo em vista a Estrutura de Pensamento de cada um. Aquilo que em im é vida poderá nunca ser gerado na alma do outro.

Em nossa sociedade a solidão ganhou várias matizes, formas e conceitos. Há aqueles que defendem a solidão como espaço para o encontro consigo mesmo. Outros irão dizer que a solidão pode ser uma patologia. Outros ainda não conseguem ficar sozinhos com seu mundo e por isso mesmo criam outros mundos em tempos próprios de seu ser. Não há regras estabelecidas, apenas um jeito de viver o tempo que cabe a cada um.

Para Arthur Schopenhauer “a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais. Sorte para uns, medo para outros. No universo que habita cada coração as vivencias são tão singulares como as flores. As alegrias são únicas e por isso mesmo impossíveis de serem expressas em palavras. As dores são tão particulares que diante delas apenas o olhar de compaixão pode compreender de maneira fragmentada o que nunca poderemos sentir.

As cores que a solidão adquire ao longo da vida são tão variadas quanto às estações que o ser humano carrega em si mesmo. Há solidão de amizades, solidão de amores, solidão que nasce de saudades, solidão que surge sem nome e se instala na vida e algumas vezes cria raízes e produz frutos. Francis Bacon fala sobre a solidão nascida da falta de amigos: “Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto.” Alguns irão discordar de Francis porque a vida sem amigos nem sempre será solidão, mas apenas um modo de ser no mundo.

Para outras pessoas a solidão é um inferno. Na tortura de terem que conviver com a solidão encontram-se em um lugar existencial de tormento, pois fazem a experiência de viverem com aquilo que não desejam, ou que criaram como uma maneira de ser no mundo e na vida. Victor Hugo parecia ter esta concepção de inferno-solidão quando escreveu: “Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.” Mas há quem diga: “Todo o céu está contido nesta única palavra: solidão”. O mundo é sempre um jeito singular de viver e conviver com o próprio coração.

Inferno para uns e céu para outros! Que digam os poetas! Nas noites solitárias nascem os versos que falam dos silêncios nascidos em frases silenciosas, rabiscadas na alma e escritas na vida. Solidão companheira que inspira o dom de poetizar em palavras a dor ou a alegria de sentir-se só. Na lua que brilha no céu e devolve a noite a claridade das percepções, a poesia caminha de mãos dadas com a solidão que grita nas entranhas da alma. No silêncio das palavras não pronunciadas verbalmente o tempo ganha dimensões de eternidade nos registros que brotam serenos ou angustiados da vida em reversos.

Mauro Santayana, jornalista brasileiro, nascido no Rio Grande do Sul, que estudou apenas até o segundo ano do antigo primário, acredita que a “educação para a vida deveria incluir aulas de solidão.” Aprender a conviver com a solidão ou despedir-se dela? Cada um aprende de acordo com as suas próprias tendências, leituras e interpretações que faz da sua própria história singular que muitas vezes é povoada de plurais.

Fernando Pessoa descobriu na solidão uma maneira de ser um com ele mesmo:
“Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.”

Quando adentramos no território da solidão todo cuidado é necessário, pois o modo como cada um vê os seus sentimentos é único e querer que o outro veja o mundo com nossos olhos pode lhe causar uma cegueira existencial sem volta. Ver a solidão do outro como dor ou alegria que ele traz em si mesmo é uma maneira delicada de respeitar aquilo que nunca será nosso, porque foi germinado no singular de um tempo próprio de ser e de viver.

*Pe. Flávio Sobreiro
Poeta, Filósofo Clínico
Cambuí/MG

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