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Jogo de Linguagem*

Querido leitor, aceite o meu fraternal e caloroso abraço. Hoje vamos refletir sobre jogos de linguagem.

Antes de aprofundar no tema, vale lembrar que foi o filósofo austríaco, naturalizado britânico, Ludwig Wittgenstein que criou a expressão “jogos de linguagem”. Ao fazer isso, seu objetivo era descrever o que fazemos ao falar, ou seja, nossos jogos com as palavras.

Talvez o exemplo seja mais claro. No consultório do amigo e médico cardiologista, Dr. Carlessi, há uma arte representando o funcionamento de um coração: as camadas, as artérias, os músculos, enfim um desenho anatômico. Certa ocasião tive uma verdadeira aula acerca do assunto, justamente de uma das referências do tema no Sul do Brasil. Ciência pura, gélida e racional. E foi bem interessante.

Continuamos com o cardiologista, em outros papeis existenciais do Rogério Carlessi, agora não mais o doutor, mas sim pai e avô. Ao chegar em casa, ele chama sua netinha Bianca que o recebe de braços abertos, sorri e o abraça com toda a força de uma criancinha cheirosa de dois aninhos de idade. Então esquecido da gravura ele exclama emocionado. “Querida netinha, te amo do fundo do meu coração”.

No consultório, provavelmente quando fala do coração e suas nuances quer dizer uma coisa. Em casa, com a netinha, do fundo do coração será um outro significado. Traduzindo: jogo de linguagem. O abraço da netinha em seu acolhedor lar o faz mais do que médico, racional e científico, o transforma em poeta.

Outro exemplo? Vamos a ele.

Numa viagem à Grécia, o professor Edson Ribeiro, extrovertido e espontâneo, se indignou com uma colega depois de contar uma piada. É que para gargalhar a piada, para a mulher, precisaria ter lógica e contexto. “Piada é piada!”, comentou ele. Que ainda justificou: “O que se espera de uma piada é que ela provoque riso, ninguém quer saber se a história aconteceu de verdade”.

As poesias, as parábolas, até algumas metáforas não passam de jogos, não para falar de coisas que existem, é apenas um jogo de linguagem para fazer beleza. Assim como a piada, a parábola, a poesia são jogos de linguagem, a ciência é o jogo de um dogma, de uma verdade repassada em linguagem, é o jogo de falar do mundo sem poesia. A ciência fala de coisas que existem, a poesia fala de um mundo imaginário.

Quando pequeno, eu e minha irmã Maria, e também meus irmãos mais novos, ficávamos horas deitados na grama observando o movimento das nuvens que se transformavam em girafas, elefantes, cavalos, navios, avião. Até bicicleta que lembrava o Natal. Geralmente chegavam os mais velhos e destruíam nossos bonecos chamando-nos a atenção: “Deixem de ser bobos, são só nuvens”.

Para eles era ciência, são só nuvens. Para nós era a verdade lúdica vinda em forma de desenhos, de poesia. Às vezes, quando deito na areia do mar e olho para as nuvens, lembro daqueles momentos e o melhor é que ainda continuo vendo desenhos como antigamente. Só que agora não deixo ninguém apagar o coração que vejo no céu. É nuvem? É coração?... São nuvens de coração.

É assim como o mundo me parece hoje. E você, usa jogos de linguagem no seu cotidiano?

*Beto Colombo
Empresário, Filósofo Clínico, Coordenador da Filosofia Clínica na UNESC
Criciúma/SC

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