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Porque nada está pronto*

Em nenhum lugar está escrito que a vida seria um mar de rosas em tempo integral. O mais provável é que os caminhos sejam, para a grande maioria dos seres mortais, de desafios que alternam as estruturas e surpreendem até a si mesmos, sem prévio aviso e regado com profusão de ritmos.

Mas parece que de alguma forma acreditamos nesta possibilidade. Nesta esperança que impulsiona sentires em direção a algo no qual acreditamos.

Todo amanhecer pressupõe renovação, até mesmo quando nada se manifesta. É como uma flecha se encaminhando de forma precisa para onde supomos não haver nada.

Quantos vazios se escondem na multidão... quantos temores vãos se reconhecem e se proliferam, na tentativa de ganhar espaço nas veias abertas das dores e dos dissabores... quantos enigmas nos perpassam e nos convidam a refletir e penetrar zonas desconhecidas de nossos limites próprios... quantas fronteiras ainda a explorar.

E nossos instintos nos pedem apenas que sobrevivamos. Mas insistimos em ir além, simplesmente porque é impossível parar. Não estamos perscrutando os movimentos internos de nossa natureza apenas para existir, mas igualmente porque é preciso nos recriar a cada instante, como se não houvesse reconhecimento cada vez que nos olhamos. Sempre será preciso mais; é quase inerente.

É como se lançássemos o coração... só para depois ir ao encontro dele.

Esse encontro pode se traduzir como uma necessidade perene ou feroz, muitas vezes não concretizada, de estar apaixonada, de estar inteira na vida, no âmbito das relações que fazem sentido a cada um.

A questão dramática é que isto impede a realização até mesmo de ambições simples, muitas vezes abatendo emocionalmente.

Pode ser um cotidiano mal resolvido que insiste em colocar tudo a perder; pode ser o grande sonho que ainda não se definiu; pode ser uma dualidade que não percebe o caminho do meio ou que ainda não esticou as pernas o suficiente para se entregar aos dois destinos. Não há como saber... o que fica é um vazio, uma tristeza, um sentimento de perda de algo precioso.

Mas ainda que a vida esteja em compasso de espera, instiga uma tentação quase irresistível de ir ao encontro dela, como se fossemos impelidos ao abismo.

E não adianta resistir ao abismo; é quase inútil. O abismo da existência vai te sugar e te conferir plenitude, mesmo que não seja o momento de ser pleno. E plenitude é relativa! Então, que cada um que a saboreie no seu tempo. O que importa é vencer as ilusões que as amarras temporais entravam e clarear as névoas da percepção, mas com o máximo de cuidado, para não ofuscar o próprio brilho.

Sublimar momentaneamente pode ser um pequeno alívio, um descanso para a alma suspirar. Porque a respiração é imprescindível e sublimar é, num certo sentido, lidar racionalmente com situações muitas vezes limite para evitar dor ou mesmo uma desnecessária exposição.

Apenas é bom lembrar que tudo na vida tem seu preço e mesmo um gerenciamento eficiente vai um dia pedir as contas... só que também cabe lembrar que há contas que valem a pena ser pagas.

*Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ

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