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Divagações filosóficas descontinuadas*

À percepção aristotélica é predominante a visão. Sua Metafísica a confirma. Mas, o verdadeiro para Platão nem está no que vemos. Nós só vemos a cópia. O original está nas Ideias. Husserl resolve ir às coisas mesmas. Heidegger aparece e diz que a questão fundamental ficou no esquecimento. Mas, a questão só tem valor enquanto questão. O erro não foi esquecer a questão, foi achar que a solucionaram. É mesmo?

Tomás de Aquino pensa que resolve: Deus é o Ser, ato puro. Um verdadeiro cristão aristotélico. E o que diriam os (neo)platônicos? Agostinho que o diga. Nessa briga surge um alemão de sobrenome Lovejoy e diz que a história da filosofia não passa de notas de rodapé de Platão e Aristóteles. Será que é isso mesmo?

Bom mesmo é Nietzsche, que resolve fazer uma filosofia à marteladas. Kierkegaard vai angustiar-se diante do que a filosofia não abarca, a fé. Ele diz que é necessário um salto qualitativo. Então, não importa quantos pulos você dê. É necessário saltar no abismo das incertezas. Mas, voltando a Nietzsche, saltar para onde, se Deus está morto?

Camus, diante disso tudo dirá: tudo é absurdo. É necessário como Sísifo, rolar a pedra nessa vida sem sentido. Sartre adverte: devemos escolher. Não escolher é uma escolha. Somos condenados a ser livres. Mas, é necessária a responsabilidade. Então devemos ser responsáveis pelas escolhas nessa vida absurda?

O que é afinal a filosofia? Deleuze e Guattari são categóricos em suas respostas: filosofia é criar conceitos. Wittgeinstein diz que o sentido da palavra (o conceito) se dá no uso dentro de um contexto. Então para fazer filosofia devo conversar com alguém com o qual compartilharei o sentido dos conceitos?

Bem que Sócrates concordaria em partes com a proposta acima. Afinal, as ideias são inatas. E basta somente um bom método, a maiêutica, para fazer o interlocutor lembrar-se das coisas que já sabe de antemão. Então, mais do que um conceito partilhado no diálogo, Sócrates defende que há uma Verdade. A maiêutica, palavra que designa a ocupação da mãe do Sócrates, isto é, parteira, deu a esse pensador a convicção de que damos luz às ideias. Estamos grávidos(as) de ideias?

Sei que nada sei. Resposta que leva tantos ignorantes a repetir em tom de sinceridade (de fato o são), mas que Sócrates utilizava com a mais sofisticada ironia. Sofisticada, aliás, lembra os Sofistas. Estes são simbolizados na célebre frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”. Tudo é pautado pelo que dizemos que é?

Ainda bem que a filosofia é ocupação de desocupados. Não me culpem. Aristóteles quem disse que a filosofia requer ócio. Sócrates vivia nas ruas de Atenas conversando. Quem tem tempo pra isso hoje? Aliás, Sócrates disse que uma vida irrefletida não valia a pena ser vivida. Pobre e ingênuo Sócrates. Claro que vale a pena! Basta ter dinheiro! Dinheiro pra quê? Pra comprar os livros de Sócrates, ora. Mas, ele não escreveu nenhum livro. Platão falou sobre ele. Ah, mas não quero ler sobre alguém que disse que vivo as cópias e que o verdadeiro está nas ideias. Posso comprá-las?

Comprar? Sócrates preferia morrer a ter que viver sem seguir seus princípios. Seus discípulos tentaram comprar sua liberdade enquanto estava sendo julgado. Ele negou. Preferiu tomar cicuta a fugir e viver como um exilado. Mas, a essa altura ele já estava velho. Será que se ele fosse jovem, faria a mesma coisa? Afinal, ele não disse que uma vida sem “princípios” não vale a pena ser vivida, mas uma vida não refletida. Poderia então ter fugido e refletir sobre isso?

*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG

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