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A Tristeza e os mil tons de azul da Alma*

Chegou o momento de refletirmos sobre a loucura deste mundo que espera que todos sejam lindos, perfeitos, saudáveis e heróis. Uma ansiedade fica solta no ar no constante "tem que". Tem que ser eternamente jovem, eternamente bonito, eternamente magro, eternamente potente, eternamente culto e assim por diante. Todos desejam ser o Zeus ou Afrodite do Olimpo!

Este é o grande problema, que precisa de muita, muita reflexão.

A contemporaneidade é Solar, extrovertida, busca o brilho, o sucesso, o poder e por isto se defronta com tanta frustração e ansiedade. O ego heróico cria asas de cera, como Ícaro, e se derrete ao se aproximar do Sol. Sol demais cega e queima.
Chega a hora que a Alma grita e nos impõe enfrentar a vastidão dos mil tons de azul, da tristeza a depressão. Ninguém está livre desta realidade profunda. Um dia, nos vemos mergulhados nos pantanais da alma, na floresta escura, no mar profundo.

Neste momento, que vai da tristeza a melancolia, a maioria foge a tomar excessos de medicamentos em busca da felicidade. Poucos decidem ir fundo no encontro com a Alma, fazer uma análise profunda, confrontar com o sofrimento. O processo de descoberta da alma é longo e trabalhoso, pois exige atenção e respeito a cada imagem, emoção e pensamento que vão se desvelando.

Precisamos sentir a dor e a vergonha que habitam nossa alma. A tristeza é alma azul. Importante permitir sentir a tristeza em toda sua intensidade, sem se vergonhar, sem se sentir menor, sem fingir ou fugir da realidade.

Quando a tristeza chegar, coloque um blues, recolha na solidão azul de si mesmo, deixe as lágrimas correrem pela face. A tristeza é a vastidão escura da noite. Importante se permitir transitar pelo azul escuro da alma.

Evitar a dor e a tristeza só adiam e substituem um sofrimento por outro. A análise profunda auxilia a trocar o sofrimento neurótico pelo real. "No lugar onde tudo parece perdido, existe o portão da dor, que leva a uma terra situada além do sofrer, um local cheio de serenidade e alegria onde não se negam nem o corpo nem a Terra, onde eles existem e são celebrados" explica da psicoterapeuta junguiana Sukie Colegrave.

Mas, atenção, não falo do masoquismo, vitimação e piedade. Muitas pessoas usam de sua tristeza para controlar outras pessoas. Cuidado! Quando a tristeza torna-se instrumento de poder e controle ela está a serviço não do azul da múltipla alma, mas a serviço do orgulho e da vaidade na máscara da humildade.

A tristeza autêntica não joga, ela é e pronto, ela existe e ponto. A tristeza faz parte da vida. Negá-la é viver pela metade. Precisamos ir fundo na nossa tristeza para vivermos autenticamente as alegrias.

Para além do Sol existe a vastidão do cosmos infinito em seus muitos tons de azul. "Ao negar aos nossos monstros acesso à consciência, impedimos a passagem da energia vital, instintiva e em estado bruto que se encontra dentro deles". Mergulhar e confrontar com os monstros que nos habitam a escuridão é o caminho nobre de viver com dignidade e inteireza.

Enfrentar a vida como ela é, consciente de suas tragicidades nos ensina que há dia e noite, alegrias e tristezas e que se negarmos um dos lados seremos pegos pelo outro. Quanto maior a árvore, maior é a sombra. Diz Jung sabiamente: "O mal que evito me faz mal".

Pense comigo, agora: - O que tem feito quando a tristeza, melancolia ou depressão chegam ? O Lobo poderá lhe indicar o caminho mais curto para resolver seu "dito problema", porém, com certeza, ele estará na casa da vovó lhe esperando de braços bem abertos para lhe comer! Feliz morte lenta!

Se resolver mergulhar nos mil tons de azul, se permitir sentir tudo que a existência tem a oferecer, com certeza você poderá se sentir cem por cento humano! E quem sabe terá o privilégio de encontrar a vovó sabedoria lhe esperando com a coruja Sophia!
Temos nossas feridas e imperfeiçôes. Encarar nosso caráter de frente, saber das pedras em nossa psique, sofrer com nossas dificuldades nos faz lavar a alma e enfrentar o dia a dia com todos os seus tons. "Tudo tem seu tempo certo".

Chega de fazermos o jogo do contente. A mentira tem pernas curtas.
A tristeza existe, está aí a lhe convocar a transitar pelos mil tons de azul da Alma e simplesmente viver!

* Rosângela Rossi
Psicoterapeuta, escritora, filósofa clínica
Juiz de Fora/MG

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