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O ser: consideração inicial*

Desde Parmênides a filosofia ficou conhecida como aquela que busca o ser. O ser foi um conceito abstrato elaborado pelo homem para referir-se à totalidade. Entretanto, a abstração não significa destituição ou afastamento da concretude da vida. “Abstrato significa elaborado pelo espírito a partir da experiência.”[i]

O filósofo é aquele que, antes de tudo, vive. Nessa vivência reconhece que há um conhecer caracterizado por um saber prático. Ou seja, o homem vive na ocupação (prática) de seus afazeres deparando-se constantemente com os entes em seu sentido individualizado: ferramentas, objetos, carros, pessoas, etc. Entretanto, há um elemento que impulsiona o homem a encontrar uma unidade de significado da realidade. Um desses impulsos é o caráter de indigência próprio do homem, que se vê na iminência de formar sua identidade a partir do que lhe é externo, ou do que não é o si próprio.

Nessa busca, reconhece que há um fundamento que possibilita a relação de si com as coisas individuais, mas que não é alcançado em sua totalidade. “Tudo vive de um fundamento que se retrai ao poder dos entes concretos e individuados.”[ii] Há em toda vivência humana algo diante do qual se depara e que constitui sua identidade sem que, em suma, lhe seja próprio. Um exemplo pode ser a questão da alegria:

“O coração é alegre se colocou na correspondência da alegria, i. é, de um fundamento que não pertence ao coração. Viver alegremente é dialogar com o que não é meu nem seu: a alegria. A alegria está em nós como visita, emergindo de uma profundidade, cujo acesso se esquiva ao nosso poder.”[iii]

Assim como a alegria – caso exposto elucidativamente – toda a vivência humana é marcada pela relação com os entes que vemos. Entretanto, para o filósofo essas relações cotidianas que em si já obnubilam o ser que as precede e que para ele deve ser buscado. Embora seja algo de difícil acesso e compreensão: “O objeto próprio da filosofia é o ser enquanto ser, é a estranha profundidade nunca diretamente acessível, irredutível ao ente que vemos, tocamos e manipulamos.”[iv] Desse modo, portanto: “Filosofar é tomar consciência da profundidade em que está colocado o ser que vivemos, é instaurar um diálogo permanente com o que não é nosso, i. é, com o ser.”[v]

Enquanto históricos, os homens elaboram compreensões do ser de acordo com seu contexto. Não há, portanto, compreensão pura do que seja o ser, inclusive ele não é acessado de modo absoluto. Daí as múltiplas nomenclaturas recebidas ao longo da história:

“Quando, pois, Chuang-Tzu vê o universo como alegria, Platão como ideia, Aristóteles como ousia, Descartes como cogito, Bergson como élan vital, Francisco de Assis como dom que convida o espírito à louvação, o grego como espetáculo que convoca o homem à admiração, todos eles dizem o vigor velado que os sustentava nas peripécias de seu destino histórico.”[vi]

Assim, o homem cuja condição de possibilidade é dada pelo ser, historicamente segue o caminho individual e/ou comunitário iluminado por essa fonte que o permite seguir de modo contingencial por algo que não cessa: o próprio ser.

Bibliografia:

Resenha: BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecer, a linguagem. Petrópolis: Vozes, 1973, pp. 17-20.

[i] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 17.
[ii] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 18.
[iii] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 18.
[iv] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 19.
[v] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 19.
[vi] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 19.

*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG

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