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Rasuras a foto inesquecível*

O processo de reinvenção pessoal está vinculado à superação dos obstáculos de travessia. As etapas de antes ou depois costuma exigir menos. A interseção entre ideia e atitude será testada e pode não bastar. A escolha e ensaio dos procedimentos, além de um robusto autoconhecimento podem ser decisivos para concretizar buscas.

Um freio eficaz é a revisita ao velho álbum de fotografias. A escolha dos conselheiros, a idealização do que já passou. Olhar para trás, seguidamente e sem perspectiva agenda retrocessos, estanca transbordamentos, aprecia a sensação de protagonista em uma estória que não lhe pertence. À pessoa refém dessa lógica, ao querer matar a saudade, mata a vida passando.

Sim, existem pessoas que vivem bem onde estão. Não se sentem ameaçadas com a transformação ao seu redor. Existencialmente pacificadas, testemunham a movimentação alheia com certa tranquilidade.

Outra armadilha de transição é a impressão de que os outros acompanham sua mudança. Ao transgredir-se em roteiros de novidade é comum a percepção (enganosa) sobre o antigo endereço. O processo de crise costuma agravar esse estado de não pertencer a lugar algum. Como exilado de si mesmo, muitas vezes o que lhe resta é uma intencionalidade à deriva.

A liberdade costuma se perder de si mesma ao reviver o que busca superar. Exalta lógicas de conformação em gestos de vida resignada. Nessa mescla de ontem sem amanhã as memórias, protegidas pela distância, adquirem um relevo especial. Sua eficácia de sombra condena a pessoa ao vislumbre do que poderia ter sido. Em alguns casos, colocar uma distância entre fatos e recordações pode ser oxigênio, noutros sufocamento.

Existe uma reivindicação ao compositor da própria história: um tempo para as buscas deixarem a clandestinidade. Isso pode incluir a experiência de morte, intermediária entre nascimento e renascimento. É comum a reconciliação da pessoa com ela mesma ser posterior à dialética das idas e vindas.

Para aprender as razões da estrada é impreciso um tempo para viajar-se. Deixar a experimentação transgressora agir livremente, observar as tratativas da lucidez com o delírio, apreciar a reviravolta das interseções, refletir sobre a natureza dos horizontes desacreditados.

Ao sujeito capaz de perseguir-se em sonhos uma nova retórica se esboça: um equilibrista sem rede, sob as vaias da plateia, a compor sua poesia existencial.

*Hélio Strassburger

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