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Qual teu trauma?*



- Tenho trauma de galinha!

- Como assim? Que coisa mais estranha, explica melhor. Trauma de galinha com pena ou trauma de mulher galinha?

- Não, meu trauma é do bicho galinha, aquele animal que faz cocóricocó. Espera um pouco, tenho trauma de mulher galinha também, mas este não me incomoda tanto.

- Entendi, mas como é que uma galinha te deixou traumatizado?

- Quando eu era criança, meus avós tinham galinhas no pátio e brincávamos com elas. Um dia, a mais grandona do galinheiro, saiu correndo atrás de mim me bicando. Quanto mais eu corria e gritava, as outras galinhas pareciam se unir a ela cacarejando e me bicando. A partir daí eu fiquei traumatizado com esta imagem e tenho medo de galinha. Se houvesse uma aqui, nesta sala, eu não entraria, muito menos tocaria nela. Tenho nojo do cheiro, do jeito como elas andam...

- Tens certeza de que era mesmo uma galinha ou podia ser um galo?

- Pois é, faz tanto tempo que nem lembro, mas por via das duvidas, tenho medo de ambos. Perú, pato, codorna também pegam carona nos quesitos nojo e medo.

- Já tentastes te livrar deste trauma, consultar um psiquiatra, um terapeuta?

- Prá quê? Este trauma não me incomoda em nada. Qual a chance de eu encontrar uma galinha viva na minha frente hoje em dia? Quando vou ao supermercado elas estão ensacadas e congeladas. Na churrascaria de rodizio elas são servidas tão disfarçadas, espetadas e coloridas com temperos, que nem as reconheço.

Será que eu seria uma pessoa melhor se não tivesse este trauma? Vale a pena o investimento de tempo e dinheiro? Não me incomoda em nada. Além do mais, me divirto muito quando conto esta história. Fico olhando a expressão de espanto no rosto das pessoas, como se não acreditassem que eu pudesse ter um trauma deste tipo.

Cada um tem o trauma que quiser, ou merecer, e o alimenta do modo que bem entender. Acho até que nem quero me livrar dele, pelo contrário, talvez venha a cultivá-lo, criando uma história maior ainda. Ás vezes, traumas aparentemente bobocas servem para encobrir traumas maiores, porque trauma de verdade não se conta, se esconde.

*Ildo Meyer
Médico, escritor, filósofo clínico
Porto Alegre/RS

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