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Ao vivo, a cores e em PB*



Deus pintou a natureza toda de várias cores, inclusive nossos amiguinhos, os animais. Quando chegou ao homem, resolveu usar apenas duas cores e nós não entendemos nada. Queria ver se a humanidade fosse um verdadeiro arco-íris
(Marcos Teixeira**)

Nascemos sem cor... a alma que chega ao mundo está vazia, como um quadro branco a ser preenchido com os tons e sobretons da vida. Não sabemos se somos brancos, pretos, amarelos, pardos, rosados, vermelhos, ou seja lá que nuances existam mais. Nascemos apenas com as possibilidades de escolha à frente, ainda que as condições não sejam tão razoáveis. O fato é que não daremos conta, obviamente, das tantas estranhezas que surgirão e provavelmente nem saberemos dar nome às sutilezas que as entrelinhas insinuarão. Nas fotografias existenciais ocorre que nem sempre preto é preto, branco é branco e as outras cores podem enganar os sentidos mais do que somos capazes de perceber.

A verdade é que não deveria haver distinção de cores num mundo tão fantasticamente repleto de infinitas tonalidades. Mesmo em preto e branco, há tantas variedades como há na intenção da existência de cada ser. Por que então nos separamos tanto? Por que, afinal, determinamos que pele, raça, cor, credo, opções fazem tanta diferença assim? Será que a arrogância de nossa pretensa superioridade racional nos fez melhores em relação às outras espécies? Ou será que, no decorrer de nossa suposta evolução, acabamos por confundir as realidades e as expectativas?

O hábil criador teve o cuidado e a paciência de extrair de suas sagradas entranhas tantas variedades de cores, sons, espécies, formas, tempos e intentos e nós reduzimos tudo a escolhas por vezes tão insensatas quanto o próprio ato de viver de quem levanta bandeiras em torno de qualquer causa que não tenha como propósito a igualdade entre os que nascem irmãos no destino da existência.

Nosso músico, que costuma encantar num maravilhoso e envolvente tom de baixo sugeriu, num delírio imaginativo e generoso, que as pessoas fossem coloridas como um arco-íris e se casassem sem pré-conceitos, sem falsas ideologias a interpor caminhos e que pudessem única e singelamente ser felizes, como uma bela música que desconhece quem a admira.

Poderíamos ainda, numa esplêndida viagem, simplesmente nos dispor a experimentar um intercâmbio de cores, tons e representações, apenas com a suprema intenção de preencher a alma com a diversidade que só a vida é capaz de proporcionar, numa doce e colorida dança que imprime o sentido e a beleza de cada ser. Seria como descobrir ser possível respeitar, tolerar ou talvez até amar àquele que, em teoria, consideramos irmãos, nem que seja somente para identificar à qual espécie pertencemos.

Geologicamente, um dia seremos apenas uma nota da história, um tom cinzento que se perdeu num tempo passado e talvez esquecido. As peculiaridades e as singularidades ficarão sob a areia do deserto, sob as rochas que se deslocaram gradativamente, assim como os oceanos que talvez invadam espaços antes habitados... todos indiferentes à nossa mísera condição e fragilidade. Então, por que não fumar o cachimbo da paz? Por que não valorizar o que temos de mais instigante, que é justamente a nossa diversidade? Por que não permitir que as pessoas apenas sejam o que são, sem amarras, sem fronteiras, sem imposições? Se nossa maior e mais impressionante capacidade é a de amar incondicionalmente, talvez então seja possível suportar diferenças, vazios e incoerências, cores borradas e notas desafinadas... apenas pelo simples prazer de sermos humanamente contrastantes.

*Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ

**Marcos Teixeira é músico, professor e dono de uma das mais belas vozes que conheço.

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