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A arte de escrever*



Quem tem a palavra como companheira, seja por profissão (jornalistas, advogados, escritores...), seja por hobby (contistas, cronistas e poetas nas horas vagas...), sabe o quanto um parto pode ser difícil e sem qualquer segurança de uma bela cria. 

Quantas vezes ficamos horas, sem sucesso, em cima de um papel em branco, tamborilando com a ponta da caneta, à espera daqueles versos sublimes, sinceros, que transformam em palavras e ritmos nossos melhores (e piores) sentimentos? Ou então em frente ao computador, vendo o cursor piscando, como prova cabal de nossa incompetência naquele momento para expressar ideias e opiniões?

O contrário também acontece. Quando menos esperamos, caminhando na rua, bem no meio de uma prova de matemática, ou então quando estamos dirigindo (e sem papel e caneta), parece que o texto nasce pronto, precisando apenas de alguns pequenos ajustes.

O mais interessante (e todos que trabalham com a expressão escrita costumam dizer isso) é que o texto não vem em sucessão de palavras. Vem como ideia, entendida no todo, e somente ao ser organizada se divide em parágrafos, frases, etc. É mais ou menos o que Mozart dizia em relação à música: antes de a compor, ele a ouvia mentalmente inteira, e não como sucessão de notas. Captava primordialmente a ‘alma’ da música, e então lhe dava a forma.

Isso tudo me faz pensar em Platão e seu ‘Mundo das Ideias”. Ele dizia que duas realidades diferentes envolvem a tudo, sendo elas o Mundo das Ideias e o Mundo dos Sentidos. O Mundo das Ideias seria a essência primordial, onde tudo nasce, enquanto o Mundo dos Sentidos é onde acontece sua materialização. Seguindo o raciocínio de Platão, o ser humano, na verdade, nada cria. Seu mérito é o de servir como ‘canal’ para que as ideias adquiram forma. E por isso que os antigos reverenciavam as musas, pedindo a elas inspiração, para que pudessem, humildemente, servir como meio de expressão para essas ideias não presentes até então no mundo dos sentidos.

É algo até fácil de se entender, mas não de aceitar, especialmente considerando que somos tão vaidosos de nossas letrinhas. Mas mesmo que não seja verdade, que é poético, ah, isso é!


*Sandra Veroneze
Jornalista, escritora, editora, filósofa clínica
Porto Alegre/RS

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