Nascemos.
E a partir deste
momento mágico, inicia nosso treinamento para questionar e responder.
Pais e avós orgulham-se
da inteligência de seus bebês quando estes, questionados, apontam rapidamente,
sem hesitação, o narizinho e a orelhinha. Mais tarde vem a escola ensinando
respostas mais difíceis: “Qual a capital da França?”, “Por que a lei da gravidade
faz a maçã cair?”. E, mesmo quando adultos, nosso conhecimento continua sendo
testado em provas para faculdades e concursos.
Assim, lenta e
gradativamente, somos induzidos a acreditar que a vida acontece e se explica
através de perguntas e que sempre existirá uma resposta correta. Dependendo de nosso desempenho, receberemos
um conceito e seremos aprovados ou não.
Mas a vida é bem mais
que isso. Algumas perguntas terão resposta.
Outras vão produzir mais de uma resposta, e todas estarão corretas. E talvez
algumas perguntas sejam irrespondíveis. É preciso saber conviver com esta
complexidade. E é justamente aí que algumas pessoas se complicam.
São as chamadas
"pessoas mecânicas". Seus raciocínios funcionam de maneira linear e
horizontal. Precisam de respostas claras
e objetivas, pois acreditam que tudo envolve uma explicação lógica. Suas vidas
funcionam em uma relação de causa-efeito, inclusive seus sentimentos, que necessitam argumentos coerentes para
sobreviver.
Pessoas mecânicas
escutam aquilo que lhes interessa, perseguindo um gabarito utópico. Dão notas a seus pares e permanecem sempre em
estado de alerta, examinando e elaborando novas questões, que necessitarão de
um novo gabarito. Uma sucessão de altos e baixos, formando uma gangorra
existencial que não oferece paz nunca.
O rapaz adiciona a nova
secretária como amiga no facebook. A namorada observa a foto, acha a secretária
bonita e questiona o motivo de tal atitude.
Talvez o pobre rapaz simplesmente tenha aceitado um pedido de amizade,
recebeu um comentário, levou uma cutucada.
Como explicar? Para que explicar?
Pessoas mecânicas nutrem-se com respostas, explicações, justificativas,
provas que amenizem sua insegurança. Precisam estar com alguém que se submeta a
seus interrogatórios e lhes alimente permanentemente. Alguns relacionamentos
funcionam nestas bases. Funcionam?
Analisando rapidamente
parece que sim, porém o sentimento nunca consegue amadurecer, pois está sendo
checado e colocado à prova a todo instante. É mais ou menos como assistir a um
truque de mágica e ao invés de se encantar com a beleza do coelho saindo por
dentro da cartola, ficar quebrando a cabeça tentando descobrir a trapaça que o
mágico realizou. O show perde toda sua graça.
Dúvida e desconfiança
são sentimentos que não conversam. Suspeitam, interrogam, espionam, acusam e
dificilmente dão chance a qualquer tipo de diálogo ou troca. Esta convivência inquisitória transforma a
relação em tribunal, onde o suposto juiz, ao julgar o outro, não têm condições
para amá-lo.
Qual o problema do
parceiro não saber uma resposta ou não querer responder naquele momento? Isso
não faz dele um insensível, pelo contrário.
Pessoas sensíveis sabem que existem coisas que melhor se dizem calando.
Talvez o silêncio seja um sinal de respeito pelo sentimento que um ainda nutre
pelo outro.
Todos temos nossa
herança "mecânica",
entretanto, alguns escolhem saltar fora da engrenagem e arrebatar suas vidas.
Se entregam, acolhem, acreditam, confiam, têm fé e acima de tudo, amam. Não precisam de palavras, explicações ou
perguntas.
Sabem que o silêncio pode expressar sentimentos que palavras nunca vão conseguir traduzir. Um único olhar pode deixar tudo muito claro. Não precisam de tribunal. Eles sentem....Eles vivem..."
Sabem que o silêncio pode expressar sentimentos que palavras nunca vão conseguir traduzir. Um único olhar pode deixar tudo muito claro. Não precisam de tribunal. Eles sentem....Eles vivem..."
*Ildo Meyer
Médico, palestrante,
escritor, filósofo clínico
Porto Alegre/RS
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