1. Não conhecemos senão as nossas sensações. O universo é
pois um simples conceito nosso.
2. O universo porém —
ao contrário de e em contraste com, as nossas fantasias e os nossos sonhos —
revela, ao ser examinado, que tem uma ordem, que é regido por regras sem
excepção a que chamamos leis.
3. À parte isso, o
universo, ou grande parte dele, é um «conceito» comum a todos os que são
constituídos como nós: isto é, é um conceito do espírito humano.
4. O universo é
considerado objectivo, real — por isso e pela própria constituição dos nossos
sentidos.
5. Como objectivo, o
universo é pois o conceito de um espírito infinito, único que pode sonhar de
modo a criar. O universo é o sonho de um sonhador infinito e omnipotente.
6. Como cada um de nós,
ao vê-lo, ouvi-lo, etc., cria o universo, esse espírito infinito existe em
todos nós.
7. Como cada um de nós
é parte do universo, esse espírito infinito, ao mesmo tempo que existe em nós,
cria-nos a nós. Somos distintos e indistintos dele.
8. A «Causa imanente»,
como é definida, tem que, ao criar, criar infinitamente. Em si mesma é infinita
como uma, extra-numericamente; nos seres é infinita como inúmera,
numericamente. Num caso é o indivisível, no outro infinitamente divisível. As
almas são pois em número infinito.
9. Tudo o que é criado
é infinito, pois a Causa Infinita não pode criar senão infinito. Por isso tudo
material, se tudo de natureza oposta à Causa Infinita, é infinitamente
divisível e multiplicável (eternidade do tempo, infinidade do espaço). Só pode
criar finitos em número infinito. Por isso tudo espiritual, isto é,
não-espacial, como é da natureza da Causa, é indivisível. É portanto imortal.
*Fernando Pessoa
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