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Um pequeno recorte da loucura que é viver!*


Durante algum tempo tive a oportunidade de estagiar em um hospital psiquiátrico na cidade de Porto Alegre. Foi um feliz período da minha vida em que percebi o quanto é sutil o limiar entre a sanidade e a loucura. Diversas vezes nos atendimentos a equipe e eu nos identificávamos com o que o interno relatava e algumas vezes tínhamos a impressão de que, quem estava sendo atendido éramos nós, filósofos clínicos.

O hospital psiquiátrico é bastante diferente dos demais hospitais, exceto em momentos de surto, pode-se dizer que existe um ambiente tranquilo e saudável. Na ala masculina os hormônios são mais hostis, o racionalismo impera e algumas questões são resolvidas no braço. Na ala feminina os hormônios também estão à flor da pela, a emoção impera e algumas questões também são resolvidas no braço.

No tocante as historicidades coletadas dos partilhantes, vemos que poucos nasceram com alguma dificuldade psíquica ou social. A maior parte adquiriu sua condição psíquica através das dores que a vida lhe proporcionou. Em alguns casos a vida lhes foi tão dura que seria de admirar que a criatura não tivesse enlouquecido.

Mas também era um lugar onde encontrávamos muitos artistas: atores, artistas plásticos, artesões, músicos, cantores e intelectuais. Pessoas de rara inteligência, que conseguiam perceber o quão caótico é o mundo lá fora, e a alienação em que vivem essas pessoas. A clareza no relato de alguns era de impressionar, a coesão de ideias nos fazia pensar: mas o que essa pessoa faz aqui dentro? Então nos questionávamos se quem devia estar internado não seria o familiar responsável pela internação daquele paciente.

Foi um tempo de quebrar paradigmas, de ver nossa sociedade com outros olhos, com os olhos dos ditos loucos! Aqueles que assumem suas emoções, seus delírios, suas inquietações, que são transparentes e frágeis diante das covardias da selva de pedras! Dos que se indignam com a violência e o abuso, além do preço abusivo do combustível. Que notam o padecimento de um sistema falido, que vive de aparências, no qual o valor do capital está acima do valor humano.

É triste ver a realidade de dentro de um hospital psiquiátrico quando nos deparamos com pessoas sadias, que encontraram na loucura a melhor maneira de se manter sóbrias.

*Débora Perroni
Filosofa, Filosofa Clínica
Porto Alegre/RS

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