Branco. Puro.
Imaculado. As rendas são francesas. Os bordados da mais perfeita sintonia. O
véu é tão grande quanto foram meus sonhos. Os convites já amarelados pelo tempo
ainda deixam exalar as esperanças de um sonho não realizado. As letras foram
desenhadas com tamanha delicadeza que nem mesmo as melhores gráficas de hoje
seriam capazes de fazer iguais. Restaram alguns convites que não deu tempo de
serem entregues devido a correria diante dos últimos detalhes da organização da
festa e dos enfeites na Igreja. Guardo-os comigo. São relíquias da saudade de
um tempo que não se cumpriu.
A primavera ficou com
as flores a desabrochar. As noites nunca mais foram as mesmas. Mesmo depois de
tantas décadas ainda acordo muitas vezes ao longo da noite chorando. Durmo com
minha dor e acordo com a tristeza. Não consegui divorciar-me da decepção. Não
casei com Francisco, mas vivo em união estável com a dor.
Minha alma é povoada de
perguntas. Meu coração tem as respostas bem claras. Naquela noite que antecedia
o nosso casamento, uma amiga foi até minha casa, dizer-me que havia visto você
de mãos dadas com a Zefina. Dei risadas. Imagina! Você que sempre foi fiel. Que
jurava dar-me a lua caso eu pedisse?
Jamais. Mas a insistência foi tão grande que deixei a caixa com o
vestido de noiva ainda aberta para mostrar a minha amiga que ela estava
completa e absolutamente louca.
Ao longe um vento frio
tocou meus cabelos. Um frio cortou-me a espinha. Na praça poucas pessoas. Dois
casais de namorados em cantos separados. Ao longe consegui ver o chapéu marrom
que sempre usava quando saiamos aos sábados para tomarmos sorvete na esquina.
Nunca mais tomei aquele sorvete. O doce que um dia me dava alegrias, hoje se
tornou fel que me faz mal.
Fui chegando de
mansinho... Nem notou minha presença. Estava tão entusiasmado com a Zefina que
minha presença era quase invisível.
- Francisco? – disse eu
já com lágrimas nos olhos.
- Calma Marta... Posso
explicar tudo. – disse-me você, que naquele momento parecia mais assustado que
um rato na cozinha sendo perseguido.
Não deixei você
explicar. Os anos de fidelidade não foram maiores que minha decepção e raiva.
Não consegui perdoar. A noite que antecedia nosso casamento nunca terminou.
Estacionei meus sentimentos naquela praça escura e com vento gelado. Ouvi mil
vezes o padre dizer-me para te perdoar. Não consegui. Também não consigo me
perdoar. Poderia ter-lhe dado uma nova chance. Mas minha mágoa foi mais forte
que os nobres sentimentos divinos.
O convite continua
aqui. O vestido também. O buque com flores que eu mesma havia colhido no jardim
de casa secaram. O laço rosa que amarrava aquelas lindas flores desbotou com o
tempo. Meu amor também desbotou. Esta amarelado pela tristeza e não há indícios
de que um dia seja alvejado com a misericórdia do perdão.
Zefina casou-se. Não
com você. O namorico de vocês não durou mais que duas semanas. Acredito que
tenha terminado com o susto que tiveram. De você nunca mais soube. Não se vive
ou já morreu. De mim sei apenas que nunca consegui te esquecer. A saudade ainda
dói por não ter dado uma chance ao amor de muitos anos. Destruiu nossa
fidelidade por uma aventura. Nossos sonhos foram destruídos pela traição de uma
paixão que não te fez feliz.
Dobro meu vestido e
guardo-o com novas lágrimas de uma dor de saudades... O véu que não conheceu as
alegrias dos convidados deslumbrados com sua beleza serve de lenço para enxugar
meus arrependimentos.
*Pe Flávio Sobreiro
Escritor, poeta,
estudante de filosofia clínica
Cambuí/MG
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