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Taumaturgos*



"Fazer durar o que passa, adiantar ou atrasar a hora prescrita, apoderar-se dos segredos da morte para lutar contra ela, servir-se de fórmulas naturais para ajudar ou frustar a natureza, dominar o mundo e o homem, refazê-los, talvez criá-los.."
                       Marguerite Yourcenar
                           
Existe uma pluralidade de eventos, ainda sem batismo, na atividade clínica. Essa irrealidade, nem sempre decifrável, aprecia se esboçar em algum ponto do constructo metodológico, as habilidades, o talento do terapeuta, a qualidade da interseção, como um oráculo em busca do melhor instante para se revelar. Esse rascunho, sobre o fenômeno taumaturgia, se propõe a uma breve introdução sobre o tema. 

Ao realizar um movimento descritivo dessas práticas tão antigas e tão próximas, um subterfúgio ritual se desdobra em várias línguagens. Ao eficaz articulador da palavra mágica se oferece a matéria-prima das fontes da palavra terapia. Sua mensagem secreta, refugiada nos desvãos da singularidade, se oferece aos procedimentos do pajé, xamã, aos descendentes dos primeiros magos, hoje com outros nomes. 

Uma metafísica se reapresenta na intervenção alargamento, seus desdobramentos podem ser vislumbrados pela via do entendimento, da esteticidade, da intuição. Sua habilidade, quase fora de si, lembra a aptidão milagreira. Aliado ao trabalho, estudo e pesquisa incançáveis, o papel existencial assim descrito, aprecia a invisibilidade despercebida pela multidão. Esses sujeitos se reconhecem estando frente-a-frente, na vizinhança uns dos outros. São capazes de identificar vestígios de uma atuação próxima ou distante.  

A alquimia dos milagres também reside na interseção das pessoas envolvidas no processo existencial. Assim se encontram, interagem e atuam entre si, influenciando escolhas, aplicação dos procedimentos, de acordo com os cuidados reivindicados. Nesses casos pode ser necessário uma postura linear para fenômenos lineares, noutros, uma percepção_assistência obtusa para fenômenos obtusos.   

Sua natureza primitiva, fantástica, efêmera, compartilha uma expressividade onde ficção e realidade objetiva se confundem. A competência taumaturga também atua na escuta, no olhar, sensibilidade, na essência dos convívios. Seu desenrolar de raridade costuma ser vislumbrado nalgum padrão acessível (jogos de linguagem, por exemplo) na arte cuidadora.   

Os eventos de sagrado e profano buscam a palavra milagre para qualificar seu exercício existencial. Associados a qualidade da interseção, as fontes de tradução da singularidade, os papéis existenciais, um sujeito reaparece em excepcional condição, a qual reivindica o tempo próprio para ajustes diante do espelho.     

Historicamente, a ciência acadêmica, as certificações do mundo positivo, as autenticações e demais burocracias atestam seus cadáveres. Seus atestados chegam bem depois que a especulação filosófica, a intuição xamânica, os rituais taumaturgos seguiram à desbravar novas fronteiras, inaugurando outras formas de se fazer ciência.  
  
Os recursos dessa medicina tão antiga, contidos na palavra remédio, não cabem numa só definição. Sua eficácia transborda na liturgia dos encontros. A matéria-prima assim descrita parece escolher as narrativas inéditas (inclusive releituras) para se mostrar. Ao terapeuta_pensador cabe ajustar-se em condições de interagir com a extraordinária fonte diante de si. Os rituais assim descritos buscam o armário da subjetividade, um desses lugares onde venenos e contra-venenos convivem lado-a-lado (as vezes no mesmo frasco).

Assim, os bons ventos dos termos agendados podem prescrever ao filósofo uma leitura mais apurada da enciclopédia partilhante. Sua pedra filosofal se insinua num espaço supra-real de escuta, diálogo, interação acordada com o devir da singularidade.  

*Hélio Strassburger

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