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A palavra crítica*

 

“As obras de arte são de uma solidão infinita: nada pior do que a crítica para as abordar. Apenas o amor pode captá-las, conservá-las, ser justo em relação a elas”
                                Rainer Maria Rilke

Outro dia uma aluna escreveu dizendo: “Hélio, dá uma olhada nesse e-mail que recebi sobre meus poemas publicados na Casa da Filosofia Clínica. (...) seu conteúdo me deixou arrasada! (...) travei, não consigo mais expressar minhas ideias, desabafos, sentimentos.” Ao me aproximar de seu sofrimento, pelo teor do conteúdo em anexo, realizei um exercício de reflexão sobre o tema.

As palavras que li e reli atentamente, inclusive vigiando o próprio leitor (suspensão provisória dos juízos) da crítica, possibilitou ter em mãos uma peça retórica interessante, de um mestre e doutor em literatura e filosofia, além de poeta (o qual fez questão de ressaltar a titulação). A primeira sensação que tive, pela descrição do dado literal, foi de uma não-crítica literária. Me parecia um desabafo ressentido, mágoa, inveja, sentimentos demasiadamente humanos, em relação a poesia em questão.

Existem muitos sentidos para a palavra crítica, dentre eles: “apreciação minuciosa, censura, maledicência. Discussão, exame, julgamento do mérito de obras científicas, literárias, artísticas. Juízo fundamentado. Opinião.”

Assim ia aparecendo, no arrazoado bem fundamentado, uma manifestação avassaladora e de origem desconhecida. Minha impressão era de que o nascente vigor poético da autora, demonstrado em seus primeiros traços, incomodou profundamente o autor da crítica. A obra parecia ter tocado em algo mal resolvido em si mesmo.

Também pode-se notar algo semelhante em jornais, entrevistas, publicações, manifestações críticas que tentam inibir o aparecimento do novo. Igualmente no caso das escolas e universidades, lugar de pretenso acolhimento das aptidões estéticas, literárias, filosóficas. O que se vê são agendamentos grosseiros, punição, censura, ameaças as tentativas ousadas de fazer diferença na escrita, pintura, musica.

Momentos em que a força da coerção institucional mostra à que veio. Talvez por isso, cada vez mais temos menos criatividade, invenção, respeito ao ser sujeito em desenvolvimento, em contradição com o massacre do mundo ideologizado, medíocre (saber mediano), que busca se manter a qualquer preço.

Naturalmente vai surgindo uma espécie de cegueira, onde o crítico, pode aprovar ou desaprovar uma obra, sem perceber-se diante do espelho. Ao pisar o solo sagrado da singularidade alheia, deveria cuidar melhor dos brotos em estado nascente. Não tentar assassinar no outro as coisas que matou em si mesmo.

Recordando alguns ensinamentos sobre os jogos de linguagem em Wittgenstein, associados ao magnífico: 'O mundo como vontade e representação' de Schopenhauer, pode-se afirmar: sem o sentido do autor o que nos resta é uma representação da representação. Assim é crucial, ao criticar uma obra, estar atento para não distorcer excessivamente suas palavras.

A atividade do crítico, como uma tradução reflexiva, analítica, amorosa precisa deslocar-se à exaustão entre as páginas do autor e a sua própria. Dialogar com a fonte de introspecção do escritor, lá onde nascem seus originais. Um desses lugares sagrados onde se realiza um convite para visitar seus jardins.

*Hélio Strassburger

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