Sábado foi dia de
reunir uma porção de gente que adora filosofia pra assistir um bom filme e
conversar a respeito. Os filmes apresentados pelo professor Hélio Strassburger
são escolhidos a dedo para tocar o nosso íntimo. Sempre me fazem refletir além
da tela a respeito da minha própria vida e daqueles que fazem parte dela.
A vida secreta das
palavras conta a história de uma bela jovem que passou por um grande trauma
durante a segunda guerra mundial, as emoções sentidas naquele tempo foram tão
intensas que ela preferiria não ter sobrevivido. Ela rezou pedindo pelo fim da
sua vida, porém isso não aconteceu e dali em diante ela levou uma vida
monótona, mecânica e apática, até o dia em que foi obrigada a quebrar a sua
rotina, então Hanna propôs-se a fazer quase tudo diferente durante um mês em
sua vida e assim foi.
Nesse meio tempo em que ela resolveu aceitar o novo quase
tudo em sua vida mudou, adquirindo novos hábitos, experimentando novas
sensações, gostos e prazeres. Ainda havia ali uma alma feminina, como uma bela
alma adormecida e Hanna passou a se entregar a cada momento que surgia.
Ela era jovem e tão
bela que sem fazer esforço algum podia encantar os homens a sua volta. Um
deles, em especial, conseguiu tocar seu coração. Entre as confissões e os
devidos cuidados Josef se entrega aos seus encantos e apesar de não poder
vê-la, apaixona-se! Hanna deixa-se envolver pela sinceridade do tom das
palavras de Josef e os dois acabam compartilhando suas dores.
Assim como Hanna
era habilidosa na arte da escuta, Josef soube respeitar silenciosamente ao
ouvir sua história de vida e quando as lágrimas não puderam mais ser contidas,
abraçaram-se e beijaram-se. Foi o que bastou para que Josef fizesse planos de
construir uma família com Hanna. Parece-me que nesse momento suas dores os
uniram.
No entanto Hanna partiu
sem despedir-se de Josef e voltou a sua rotina no trabalho, porém com alguma
modificação, afinal "a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará
ao seu tamanho original." (Einstein).
Josef se desesperou
quando viu que Hanna não estava mais ao seu lado e gritou em vão pelo seu nome.
Tempos depois, já tendo restabelecida sua saúde ele vai em busca dela. Naquele
reencontro houve o verdadeiro resgate de Hanna. Josef pediu que ela fugisse com
ele, pois gostaria de passar o resto de sua vida com ela, mas Hanna hesitou
dizendo que não daria certo, pois um um dia ela choraria tanto que inundaria o
quarto e Josef iria se afogar, pois não sabia nadar! Esse fora um dos segredos
que Josef contou à Hanna e os dois riram muito juntos, é a única cena do filme
que vemos Hanna gargalhando. Então é nesse momento em que Josef diz as palavras
certas que conquistam de vez o coração de Hanna: - Eu vou aprender a nadar! Os
dois se abraçam e se beijam e na próxima cena vemos que eles construíram uma
família juntos que deu um novo sentido a vida de Hanna que agora já não era
mais uma morta-viva.
É um belíssimo filme, é
forte e emocionante, nos revela a importância do saber ouvir o outro, da
confiança estabelecida quando a escuta tem qualidade e acontece sem
julgamentos. O filme deixa várias questões em aberto, como em um quebra-cabeças
o expectador tem de juntar os fatos para entender o que aconteceu. Josef
trabalha em uma plataforma de extração de petróleo e sofre um acidente que o deixa
com o corpo cheio de feridas e temporariamente cego.
Ao que parece, esse
acidente ocorreu quando ele tentou salvar a vida do seu melhor amigo, mas o
mesmo não sobreviveu. Josef se encantou pela esposa do seu melhor amigo e lhe
deu um livro: Cartas Portuguesas que foi escrito por uma freira no século XVII
e fala sobre AMOR. Josef mostrava-se arrependido por não ter controlado seus
sentimentos, não fica claro se houve ou não uma traição, mas fica a questão:
seria possível controlar os sentimentos? Da minha parte eu afirmo que não. Por
mais que eu sofra por viver um amor impossível, ele é latente.
Outra questão a
respeito da história de vida de Hanna é a vontade de não mais viver. Com tudo o
que sofreu Hanna parecia ter motivos o suficiente para não querer mais viver.
Sua história é contada através de outros personagens que ela inventa e ao que
tudo indica ela passou pela dor de ser obrigada a matar sua própria filha, além
de ser torturada intensamente. Parece que foi aí que Hanna ficou surda, na
tentativa de não ouvir mais os gritos das pessoas a sua volta, além dessa outra
marca que ela guarda desse tempo são as cicatrizes por todo corpo. Manter-se
viva diante disso tudo é uma superação, ainda que sem alegrias, ela resignou-se
a viver. Uma vida sofrida, sem dúvida, perturbada pelas suas angústias.
Em nenhum momento do
filme indica uma tentativa de suicídio, mas essa questão me surge ao vislumbrar
tamanho sofrimento. Infelizmente eu sei de pessoas que por muito menos do que
isso tentaram acabar com suas próprias vidas, mas não nos cabe julgar o tamanho
das dores alheias, pois cada um sabe o que pode suportar.
E daí me coloco a
refletir sobre o valor da vida e lembro-me da passagem bíblica onde Jó perde
todos os seus bens, em seguida, perde toda a sua família e também a sua saúde e
o que resta para Jó? Jó, ao se sentir abandonado pelo Pai, exclama: Por que se
dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo? Que esperam a morte, e
ela não vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos (Jó 3:20-21).
Quem dera que se cumprisse o meu desejo, e que Deus me desse o que espero! E
que Deus quisesse quebrantar-me, e soltasse a sua mão, e me acabasse! Isto
ainda seria a minha consolação, e me refrigeraria no meu tormento, não me
poupando ele; porque não ocultei as palavras do Santo. Qual é a minha força,
para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para que tenha ainda paciência? É
porventura a minha força a força da pedra? Ou é de cobre a minha carne? Está em
mim a minha ajuda? Ou desamparou-me a verdadeira sabedoria? (Jó 6:8-13). Então
o que resta a qualquer um que perca tudo, bens, família e saúde?
Penso que é
importante não depositar o valor da nossa vida às coisas materiais, nem tão
pouco às pessoas que amamos, senão corremos o risco de não encontrar mais
sentido para viver. Tão pouco devemos atribuir a carne, ao nosso corpo físico,
o sentido da vida, pois ele está além disso. Através do auto-conhecimento é que
podemos entender o real sentido da vida, conforme já dizia Sócrates:
"conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses." Não se
trata de não amar o próximo, pelo contrário, é através do amor por si mesmo que
alcançaremos o verdadeiro amor e conhecendo o verdadeiro amor poderemos amar ao
outro.
Através desse filme
concluí que há pessoas que se unem pelo amor e outras que se unem pela dor. No
caso de Hanna e Josef creio que tenham se unido pela dor, mas juntos
conseguiram construir o amor. Creio que a união pela dor seja a mais
corriqueira, as pessoas ficam juntas por suas necessidades e carências, porque
não querem conviver consigo mesmas, não conseguem ser felizes sozinhas. Pois
bem, amar não é pra qualquer um, cabe somente aos loucos, aos que sabem amar a
si mesmos e sendo assim podem estender esse sentimento ao próximo. Enfim, o
assunto é complexo, extenso e as derivações que faço a partir do filme são
tentativas de elucidar para mim mesma a respeito dessas questões, na esperança
de algum dia poder viver um verdadeiro amor.
*Débora Perroni
Filósofa, Professora de Filosofia, Especialista em Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
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