Hoje tentei
reconstruir-me pela representação de mim mesmo. Desmontei-me e remontei-me peça
por peça como num jogo de quebra cabeças. Preparei meu próprio palco com todo
cuidado, atento aos mínimos detalhes. Escolhi meus trajes, pintei-me dos pés à
cabeça. Já não me reconhecia mais.
Preparei a minha
encenação com uma frieza visceral. Catei máscaras de todos os tipos. E
olhava-me diante do espelho. Espantado? Não, sem sentimentos. Frio como uma
lápide mortuária. Jurei para mim mesmo que nenhuma cena importante ficaria de
fora.
Tornei-me diretor e
roteirista de mim mesmo. Detalhista ao extremo. Dirigindo-me como ator e
personagem, usando os mais diversos disfarces para descobrir-me. Ocupei até o
lugar do público para aplaudir ou zombar de mim mesmo.
Quanto mais pensava que
me conhecia, mais estranho ficava para mim mesmo. Um estrangeiro habitava
dentro de mim. Nada mais sabia sobre mim. Pensei aproximar-me de alguma
sabedoria maior. Esqueci de tudo sobre mim. Não sei mais quem sou eu.
Busquei na
representação de mim mesmo a minha autenticidade. Ser eu mesmo sempre
travestido de Outro. De vários Outros. Afinal, o Outro sou eu... amanhã...
Observei-me a mim mesmo representando no palco, sentado na primeira fila dos
bancos. Espiava atentamente para tentar descobrir-me. Algum pequeno detalhe...
E os personagens iam se alternando no palco:um trágico; outro cômico; um
terceiro sarcástico; chamou-me atenção um romântico e ingênuo ao extremo; ainda
um frio e calculista; mais outro racional do qual eu só via a cabeça. Alternavam-se
outros, quase esquecidos, mas nem por isto menos importantes: um que era
somente bondade; outro que só amava e não era amado;um estranho que parecia só
existir na imaginação esvaindo-se como fumaça ao vento. Entre os intervalos da
representação apenas alguns pequenos espaços para algum choro, ou algum riso...
Num dado momento puxei
você para o palco. Para contracenar comigo. Como coadjuvante é claro. Ah, não
abriria mão do papel principal. Deixei até você se iludir de que estava no
papel central. Ilusão sua. Não tinhas a mínima idéia das artimanhas que o meu
coração tramava para continuar te prendendo no emaranhado de teias que eu
costurava ao teu redor.
A vida, porém, é cruel
e não nos oferece maiores intervalos entre os atos da representação. E espiei
pela janela para ver o que tinha sobrado de mim.
Declinei e entreguei o
jogo mais uma vez, cansado.
E congelou minha face
na mais profunda tristeza.
Recolhi-me para dentro
de mim mesmo.
Fez-se noite ao redor e
dentro de mim.
E na noite insone os
fantasmas, zombeteiramente, continuaram representando mil cenas de todos os
tipos diante de mim. Encolhi-me como uma criança ao útero da mãe.
O dia seguinte trouxe a
paz. E o sentimento de bem estar. E decidi continuar aprimorando minha arte de
representar todos os papéis imagináveis para buscar manter a minha
autenticidade.
*José Mayer
Filósofo, estudante de
Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
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