Sempre fui apaixonado
por futebol. Acho até que era um tanto fanático pelo meu clube, o Internacional
de Porto Alegre. Ia ao estádio assistir
todos os jogos, com chuva, frio ou vento forte. Ganhando ou perdendo estava lá
para ver meu time jogar e torcer por uma vitória.
Aos poucos fui perdendo
o interesse a ponto de hoje não assistir nem aos jogos transmitidos pela
televisão. Mas a apatia não foi sem motivo. O futebol se profissionalizou
demais, virou muito mais técnica que talento. O amor pela camiseta e a garra
que marcaram minha infância já não são os mesmos. E quando as coisas deixam de
ser feitas por amor e paixão e o dinheiro passa a ser o combustível, a graça e
a beleza murcham como flores sem água no deserto.
Meu fascínio pelo
futebol acabou, mas lá no fundo ainda ficou a lembrança dos bons tempos e o
desejo de resgatar a paixão de ir à campo vestindo a camiseta do clube, pintar
o rosto com a cor vermelho-paixão e voltar orgulhoso ao final da partida com o
show de bola que “meu” time apresentava. Tenho muita vontade de conversar com
jogadores e técnicos sobre futebol arte, competição e filosofia no esporte.
Resolvi postar algumas idéias na internet. Quem sabe o poder viral as dissemine
e de uma maneira indireta possa atingir meu objetivo?
Embora pareça que
jogadores, clubes, dirigentes e torcidas estejam juntos e unidos no mesmo
propósito e falem a mesma língua, cada grupo tem posições diferentes quanto ao
que acontece dentro e fora de campo. Como torcedor posso afirmar que brasileiro
vai a campo para assistir futebol bonito. Quer ver o drible que deixa o
adversário caído, a tabelinha que envolve, a jogada de calcanhar, o chute
indefensável, a mão milagrosa do goleiro. Resumindo, torcedor gosta de ver
futebol espetáculo.
Orquestras, bandas de
rock, peças de teatro, circos são outras formas de espetáculos grupais. Mesmo
atuando em equipe, cada vez que um artista tem a chance de fazer uma
performance isolada, tocando seu instrumento, cantando ou equilibrando-se no
alto de um trapézio, aproveita a oportunidade de se destacar e procura mostrar
toda sua competência e experiência naqueles poucos segundos de fama. Geralmente
dão o melhor de si para encantar a platéia. Aliás, o objetivo de um artista
sempre é deixar a platéia extasiada, aplaudindo de pé, pedindo bis. Não é isto que está acontecendo no futebol.
Cada vez que um jogador
recebe a bola e tem chance de mostrar sua excelência, imediatamente a repassa
para o companheiro mais próximo, como se tivesse medo de fazer alguma bobagem.
Esta é a nítida impressão que tenho dos jogadores: medo de ousarem jogar
futebol. Não querem se comprometer. Parece que a bola vai lhes machucar.
Precisam se poupar. A oportunidade não bate à porta, ela se apresenta quando
você derruba a porta. Quarenta mil pessoas pagam caro e lotam um estádio para
assistir onze jogadores com medo de outros onze. Se fossem gladiadores, já
teriam sido devorados pelos leões.
Até mesmo nas
entrevistas, utilizam-se de frases genéricas, totalmente descompromissadas e
sem qualquer responsabilidade com a torcida que eventualmente frustram. Sem
contar quando o jogador já está vendido para outro clube e a torcida é a última
a saber. Que saudade dos jogadores que choravam quando o time perdia,
permaneciam em campo mesmo sentindo dor, beijavam a camisa e declaravam seu
amor ao clube. Era com esta paixão que nos identificávamos.
Não sei se é orientação
dos técnicos ou da direção. Não sei se existe alguma ameaça velada de que
jogadores que se destaquem e façam boas jogadas serão mais visados, receberão
mais faltas, se machucarão com mais freqüência, e por conta disto, fogem da
bola. O fato é que parece que a bola morde os jogadores. Quando acontece um
gol, este é muito mais por um acidente, uma falha do adversário, uma bola
parada ou um erro de arbitragem. Nos dias de hoje, gol construído com categoria
e habilidade chega a ser raridade, vira noticia e é reprisado durante toda a
semana nos programas esportivos. Eu tive o privilégio de assistir isso todos os
domingos.
Ganhávamos jogando
bonito. Às vezes perdíamos ou empatávamos, mas sempre havia show de bola.
Quando jogávamos futebol no campinho de areia, cada amigo escolhia um nome:
Pelé, Tostão, Falcão, Rivelino. Espelhávamos nestes ídolos, tentávamos repetir
suas jogadas. A tensão e a ansiedade não nos deixavam dormir direito antes dos
jogos. Chorávamos quando o treinador nos colocava no banco de reservas.
Trocávamos as festas e até mesmo as brincadeiras da juventude por jogos nas
frias manhãs de domingo. Vivíamos e respirávamos futebol.
Em algum momento, a
mentalidade dos clubes mudou e o importante passou a ser a vitória, mesmo
jogando mal, com gol roubado ou nos descontos. Por um tempo isto funcionou, mas
terminou contaminando o esporte, jogadores e torcida. A conseqüência é que hoje
o futebol é feio, apático, sonolento, quase sem emoção, e ainda por cima,
perdedor. A vitória nos conforta, é paliativa, mas não nos anima mais.
Temos consciência de
que o futebol perdeu sua graça e ainda assim, torcedores que somos, continuamos
resistindo e apostando nesta paixão antiga. Acreditamos que trocando o
treinador, fazendo duas ou três novas contratações, inaugurando um
fardamento novo, daremos jeito na casa.
Filosoficamente
falando, paixão é assim mesmo, não tem muito a ver com razão, mas tem tudo a
ver com futebol e com a vida. Mesmo
escancarando todos os motivos para não se gostar mais de futebol, a paixão é um
sentimento tão forte que mantêm o torcedor sofrendo obsessivamente, no desejo
de que o encantamento e deslumbramento
que lhe arrebataram um dia, retornem e permaneçam eternamente lhe alimentando a
alma.
Apaixonar-se é uma
sensação maravilhosa, mas a gente não se apaixona porque quer, a paixão é que
nos abraça e envolve. Nem sempre existem motivos e quase nunca temos escolha.
Simplesmente acontece. Permanecer neste estado pode ser a benção ou a desgraça
de cada um.
O processo de se
desapaixonar é o mesmo, só que no sentido inverso, e ao contrário do que possa
parecer, não é tão doloroso assim. Mas é chato, não tem graça. Como bem disse Rubens
Fonseca, “o que me mantêm vivo é o risco iminente da paixão e seus
coadjuvantes: amor, ódio, prazer, misericórdia”.
Entre tapas e beijos,
no final das contas, estar apaixonado é muito bom. Ruim mesmo é se apaixonar
pela pessoa errada, pela coisa errada ou até pelo time errado. Mas isto não é
motivo para desanimar, para tudo nesta
vida, sempre há uma saída.
*Ildo Meyer
Médico, escritor,
filósofo clínico
Porto Alegre/RS
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