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Barbacena*


Barroco, gótico, ornamento, floreio. Casas-palácio com hortênsias, cães de guarda fixos uivando nas bordas do telhado, jardins em ziguezague e escadas glamourosas: a beleza que o próprio terreno faz pra gente ver, nas casas subindo o morro, em vários patamares. 

Mas a arquitetura também pode doer. A frieza das salas de aula brancas por toda parte. Comunicação, só nos murais. A frieza de ar, apenas ar, onde faltam pessoas em seu sentido completo. Como cascas das vagens de sibipiruna, que estalam secas, as encontramos salpicadas pelo campus. Mas onde estão elas, em seu todo?

A visita ao Museu da Loucura me tocou fundamente, talvez mais ainda depois, já em casa, percebendo as dificuldades de convívio na família. Num livro em que médico e paciente descrevem sua experiência para além da prática psiquiátrica, Viagem através da loucura, encontro um alento para minha tese, vivida na carne. “Na maioria dos casos, a pessoa diagnosticada como ‘doente mental’ é o bode expiatório emocional para o tumulto em sua família ou rede de amigos, e pode, de fato, ser o membro mais ‘são’ deste grupo.” (Barnes & Berke, 1977: 94)

Quando o carro fazia a manobra em torno Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena vi o pavimento imenso abandonado, com o teto caindo, onde eram internadas as crianças, com grades nas pequenas janelas no alto das paredes. As crianças, outrora presas pela instituição. Além da família, outras instituições prendem os iniciantes no jogo. Penso nos meus poemas sobre grades e nas que colocam até no consultório.

As fotos, o filme rodado na década de 70, contando o abandono dos internos – não se pode dizer doente, porque muitos foram parar ali abandonados pela família, em pouca idade, grávidas, improdutivos, trazidos de todo o país nos vagões de trem que infelizmente tinha uma parada ali perto desde antes de 1903, o que viabilizou o hospício –, para os quais parece não haver uma esperança de saída em vida. A música ambiente sofrida, como gritos do vento. 

A réplica do centro cirúrgico, onde se ouve o pulso do coração, indicando processo de psicocirurgia, nome bonito da lobotomia que dessensibiliza para sempre o ser para as emoções, pela incisão que massacra o lobo frontal. Os grandes pilões para fragmentar comprimidos. Os resultados da laborterapia obrigatória no início do século, em alqueires de plantação, centenas de quilos de doce. As algemas grossas de ferro puro. Os aparelhos de eletrochoque aposentados.

Ainda antes de pegar a estradinha que conduz à rodovia, deixando a fazenda que já fora propriedade do paradoxal delator inconfidente Joaquim Silvério dos Reis, cuja própria sede abriga hoje a parte de atendimentos médicos do CHPB, veio-me aquela frase familiar à mente que me balança ainda agora, como quando deixamos de vez os entes queridos: “Meu Deus, eu vou embora, e eles ficam.”

*Vânia Dantas
Filósofa Clínica
Brasília/DF

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