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A palavra dialética*



Existe um dizer inconformado na rigidez dos raciocínios estruturados. Antítese da comunicação bem definida, esse teor descompassado e de maior alcance se oferece, ao ser contradição, em rituais discursivos precursores.

Ao se tentar aprisioná-lo, ele se revolta à transgredir os limites da imprópria coerência. Os rumores da não-palavra conseguem dizer muito, parecem apontar as formas indizíveis, os refúgios da estética, a inventividade da desrazão. Uma estranha realidade escorre pelo desvão das sentenças.

Relatos de discórdia em busca de autonomia, compartilham rumores ao dizer que poetiza a vida. Sua desconformidade inaugura espaços, oferece ambientes para novas expressividades. Ao quebrar protocolos emancipa aquilo por vir. O teor da palavra dialética contém, em si mesmo, afirmação e negação. Um cheiro de terra nova se oferece ao seu redor. Seu não-ser anuncia horizontes diferenciados.

Na ruptura com aquilo que já foi novidade, se empenha em querer mais. Não entra em desacordo com as crises, muitas vezes é seu anúncio. Consegue estabelecer-se de acordo com as transformações que inspira. Donos da verdade, em seus dogmas e institutos, cuidam para preservar-se dessa lógica ameaçadora. Na interseção entre ficção e realidade se pode notar o quanto são reféns uma da outra.

Contra a soberana rigidez do discurso completo e bem acabado, se oferece a poética das incompletudes. Sua ótica de reverência à vida persiste em ser ensaio criativo. Veja-se o caso desses aparentes paradoxos: quem seria a antítese em guerra e paz ? Entre a vida e a morte ? Amor e ódio ? Saber e não-saber ? Luz e sombra ? Real e irreal ? De onde se vê aquilo que se vê?

Nessa arte de evidenciar frestas acontece uma rasura da norma definitiva. Suas virgulas e espaços em branco acenam um devir de raridades. Sua lógica subversiva, ao denunciar outros pontos de vista, se equipara a uma dissonante premonição.

Assim é possível vislumbrar algo mais além de fracassos e acertos. São muitas as possibilidades pela desorganização da palavra dialética. Uma força emancipadora em anúncios de originalidades.

Sua intencionalidade de negar imprime vida aos cristais bem acabados. A ideia, ao sair de si mesma, desconstrói certezas para inaugurar verdades. Desse ponto de partida uma transcendência atualiza deslocamentos. Quiçá esse devir possa flanar entremeios de toda concepção. Irresolver a sedução do enigma das travessias com a arte de desconstruir fronteiras.

*Hélio Strassburger

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