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Desculpe, foi engano*

                                               
Depois de tudo o que vivemos, precisamos ter a sobriedade de ser honestos com nossos próprios sentimentos e admitir que apostamos em nos amar, mas ficamos longe disto.  Foi bom, mas não foi amor. 

Preocupado em não mais repetir o erro, revisei a literatura e descobri que não existe um gene especifico do amor, que dotaria alguns felizardos com esta capacidade e impediria outros. Não se nasce carimbado ou proibido de amar. Ainda bem, estamos salvos. Amor se aprende, constrói, cria, sente. Amor não é complicado para surgir, mas pode ser difícil de manter.

A vida me ensinou que se pode amar várias pessoas ao mesmo tempo. Amo meus pais, meus irmãos, meus amigos. Mas amo do meu jeito e com cada um fui criando um código diferente de amor.

Acontece que amor fraternal é uma coisa e amor entre um casal é outra. A diferença é mais ou menos como andar de carrossel ou de montanha russa. Num você sobe quando criança e fica dando voltinhas sem maiores riscos ou emoções, no outro você só pode entrar um pouco mais crescido, e no inicio, precisa se amarrar prá não cair. Se der certo e aprender a andar, é mais seguro que carrossel e mil vezes mais emocionante. Mas não é para todos. Amor não é o que faz o mundo girar, isto é bebedeira ou labirintite. Amor é o que faz o giro valer a pena.

Aquele “nosso amor” envolveu tantos altos e baixos, tantos porquês, tantas expectativas frustradas, que foi deixando de ser algo gostoso pra se tornar  pura cobrança. Aquele friozinho gostoso na barriga que sentíamos no início, se transformou em dor de cabeça crônica. Pois é, amor também pode adoecer.  Não nos abraçamos direito e quando um dos dois não tem mais força pra pegar o coração do outro no colo, o amor se perde, escorrega, cai da montanha russa e abandona o parque e o casal.

Dei tudo que sabia, dentro e fora da cama, mas ao invés de aproveitar, julgavas. É mais ou menos como andar na montanha russa, ficar calculando velocidade, altura, tempo, ondulação e não sentir o vento bater no rosto, o coração disparar, o corpo flutuar. A diversão se transforma em apreensão, a emoção cede lugar para a razão e não se aproveita aquilo que é o melhor da vida. Amar é ter certeza que se você cair, ou tropeçar, ou falhar, o outro vai estar ali pra te amparar.

Quando o amor acontece, tudo faz sentido. A verdade é que cuidar, renunciar, dividir, emocionar, acompanhar, partilhar, sonhar, escutar, acarinhar, discutir, perdoar, não foram percebidos por ti como formas de amar.   Nossos conceitos e formas de demonstrar e sentir amor não são as mesmas. Aquilo que era para ser um casal se dividiu em dois. Paciência, não dá pra lutar contra o que não se pode mudar.

Fiquei triste, porém tranqüilo. Reconheço minha parcela de responsabilidade em nossa separação, mas continuar juntos se tornou impraticável. Não havia clima nem para tentar um recomeço afetivo. Andar de montanha russa e  sentir que as mãos estão dadas, se tocam, mas não mais se seguram, não é viver um grande amor. Quero e mereço bem mais. Quero alguém que extraia o melhor e o pior de mim, dividindo aquilo que nem sei que preciso. Às vezes paz, outras vezes confusão. Às vezes carrossel, outras vezes montanha russa.

Contigo foi este o limite, com outra pode ser que o ultrapasse. Agradeço-te por me acompanhar e trazer até aqui, Lembrarei de tuas palavras como ensinamento e não mais como acusação. Como dizia Nietzsche, a memória foi feita para esquecer. Cada vez que eu disser te amo para outra mulher, terás uma parcela nesta conquista. Tua dúvida  me fez crescer. Obrigado. Valeu, mas não foi desta vez. Desculpe, foi engano.

 *Ildo Meyer
Médico, Escritor, Filosofo Clinico
Porto Alegre/RS

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