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Um bilhete em branco*


Digo eu: Oba!!! Hoje escrevi um bilhete em branco.

Quem teria que ler, leria o bilhete em branco. Olhos e coração atentos. O que poderia conter um bilhete em branco? Ah, tudo, tudo.... ou nada mais... Em branco, de propósito. Para impressionar mais.

Quem teria que ler o bilhete em branco, o leria. Tudo tão claro. Tudo tão nítido. Sem letras e sem palavras, para tudo conter.... Por Deus compreenda-me. Foram tantos outros bilhetes escritos. Rabiscados. Rasurados. Amassados. Manchados. Acabaram-se minhas folhas. Meus cadernos. Meus blocos. Minhas agendas. Os papéis acabaram.... Agora o coração escreve... Não vês as manchas vermelhas? Acabou-se a paciência. A espera cansou. O retorno não vinha. O amor entregou os pontos, vencido, por hora.

Sobrou este bilhete em branco. Parecendo nada querer dizer. Pelo contrário: repete tudo o que já foi escrito. E o muito que ainda há para escrever. Olhe bem e verás. Tudo está neste bilhete em branco. Tentativa última e inútil, talvez, de buscar uma compreensão.
Quem teria que ler o bilhete em branco, o leria. Será que o compreenderia?

Diz ela: Oba!!! Hoje recebi um bilhete em branco.

Ah, um bilhete em branco prometido como algo muito importante. Mais importante que todos os outros. Enigmático, como a brancura do papel. A falta de tudo estava a significar a presença de tudo. E de tudo que ainda não havia... Perdi-me pensando em tudo o que poderia estar ali... E a nostalgia tomou conta de tudo.

Decidimos, eu e a minha amada, prosseguir com nossos bilhetes em branco. Para compreendermos muito mais daquilo que não pode ser escrito. Bilhetes com luzes e sombras. Com sinais que somente nós dois compreenderíamos.

Importante, diz-me ela, que a nossa vida não passe em branco. E não passará....

(Construção compartilhada...)

*José Mayer
Filósofo, estudante de Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS

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