Tanto que tenho falado, tanto que tenho
escrito - como não imaginar que, sem querer, feri alguém? Às vezes sinto, numa
pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda, ou uma reticência de
mágoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz alta.
Às vezes, também a gente tem o consolo de
saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém a se reconciliar
consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia; a sonhar um pouco, a sentir uma
vontade de fazer alguma coisa boa.
Agora sei que outro dia eu disse uma palvra
que fez bem a alguém. Nunca saberei que palavra foi; deve ter sido alguma frase
espontânea e distraída que eu disse com naturalidade porque senti no momento -
e depois esqueci.
Alguma coisa que eu disse distraído - talvez
palavras de algum poeta antigo - foi despertar melodias esquecidas dentro da
alma de alguém. Foi como se a gente soubesse que de repente, num reino muito
distante, uma princesa muito triste tivesse sorrido. E isso fizesse bem ao
coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres choupanas e as suas remotas
esperanças.
* Rubem Braga
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