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A estranha efemeridade do ser*


“Não há fatos eternos como não há verdades absolutas”.
(Friedrich Nietzsche) 

Quanto mais as eras se acumulam, mais a humanidade se esforça para permanecer fantasticamente bizarra. Não importa em que raio do planeta sua representação esteja, ela caminha insondável em praticamente todos os seus aspectos. Ao mesmo tempo em que fascina, surpreende, envolve... também insiste em escapar por entre os véus de uma estranheza que parece não ter fim. E não é interessante que se explique ou se justifique no que quer que seja. O (des)encanto de sua natureza exige que continue obscuro. Talvez em troca da garantia de que permanecerá incompreensível – tanto pela insanidade que cultiva perenemente quanto pela insistência em perseguir a trilha oposta à simplicidade que a faria melhor – aos olhos dos mortais que abriga. 
 
Cabe questionar se a entidade criadora presente no caldo primordial previu todas as diversidades, incongruências, incertezas e improbabilidades presentes na dimensão de sua criatura. Talvez ela também não tenha atentado nem mesmo para o alcance das potencialidades preservadas nas essências que vigoravam nos primeiros sabores da sopa que ainda hoje vertemos. Porque permanecemos aprendizes de como funcionam certos atributos desta desestruturada condição de ser. E, ao que parece, ainda estamos muito longe do ápice. Isso se houver um, é claro. Mais provável é que, tal qual o zero absoluto, ultrapassemos o ponto crítico da sabedoria e mergulhemos confiantes na cratera eterna da insanidade total. 

Quando nos deparamos com o piscar entre os instantes da vida, nos damos conta do quanto ela é singular e efêmera. Percebemos que, afinal, de tudo o que somos e sabemos, talvez nada ou muito pouco de fato importe. É a envergadura de atentar para o presente que convence a vida. Não em detrimento da historicidade ou da instância do porvir, mas para fazer valer o aqui e o agora. Ainda que a percepção da efemeridade do tempo mecânico assuste – tanto pela sua fugacidade quanto pela estranheza – ela igualmente consola. E apesar de toda a racionalidade (ou até mesmo por causa dela), ainda pisamos indecisos nos nossos destinos, na tentativa de manipular até mesmo o que não deve ser violado. Infelizmente as pretensas dignidades podem ser tão insanas e peculiares quanto a própria existência. 

Acordar para o instante cristalizado determina o alcance das predisposições futuras. É preciso significado para perpetuar o que somos. Mas também é vital que a magia não se perca entre as brumas e as voltas por onde brincamos de existir.  Existir demanda criatividade para vazar as raias da loucura que não se esgotam e que se alimentam incessantemente das profundezas de uma primitividade que, no fim das contas, sempre faz questão de se reinventar. 

Luana Tavares
Filósofa, Mestre em Filosofia, Filósofa Clínica
Niterói/RJ

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