Há um tempo em que é
preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e
esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo
da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem
de nós mesmos.
Fernando
Pessoa
Transcender é ir além,
ultrapassar limites. É a capacidade e o desejo de romper limitações, de superar
e violar os interditos.
É o desejo e a
capacidade do ser humano para transcender a si mesmo, ou seja, sair de seu
estado atual para buscar algo novo. Podemos exemplificar a atitude de Adão e
Eva no jardim do Éden como expressão de transcendência, de sua transformação em
ser humano. Interessa-nos apontar a transcendência como uma experiência mais
sentimental – o apaixonar-se, o êxtase como uma experiência, o deslumbramento
diante de uma realidade nova, a admiração, o espanto.
É ceder, se deixar
aventurar à outra singularidade. Penetrar e se deixar penetrar. Ir ao encontro
do desconhecido rumo, do maravilhoso milagre que habita cada ser. É
interligar-se, envolver-se. Despir-se de máscaras e preconceitos. É expressar o
melhor de si com autenticidade. É causar emoção, sentindo no íntimo a absorção
do milagre da transformação, que ocorre a partir desse belo instante.
Não é possível segurar
ou prender as emoções e os pensamentos do ser humano. Rompemos tudo, ninguém
nos aprisiona.
O ser humano é um ser
desejante e ilimitado. Podemos inquirir: quem preenche esse vazio profundo
dentro do indivíduo? Qual é o objeto adequado ao desejo infinito, que satisfaz
e traz descanso? Por que desejamos o infinito e só encontramos o finito?
Queremos o ilimitado, a totalidade, e só encontramos fragmentos? Aqui se revela
o ser humano como um ser protestante e insatisfeito.
Quando Nietzsche
anuncia “a morte de Deus”, ele fala do Deus que deve ser eliminado, pois não
passa de fantasia ilusória da mente humana; é o Deus inventado, o Deus da
metafísica, o Deus que não é vivo. Deus só tem sentido existencial se for
resposta à busca radical do indivíduo por luz e caminho a partir da experiência
de escuridão e de errância.
Somos seres
essencialmente transcendentes. Não nos acomodamos com a realidade. Seguimos em
busca de evolução, de satisfazer nossos desejos. Possuímos a capacidade para
transcender a nós mesmos, ou seja, de sair do estado atual para buscar algo
novo.
Transcender é ir à
busca de outro ser para envolver-se em si mesmo. É o processo evolutivo da
existência, é relacionar-se VERDADEIRAMENTE com outra essência.
Quando duas
singularidades se permitem uma incidência dessa natureza, nenhuma das duas será
mais a mesma, visto que invariavelmente, ocorrerão transmutações positivas e
desenvolvimento interno. Desse modo, o encontro transcendental permanecerá vivo
dentro de cada individualidade, no mais profundo de cada ser, como momento raro
e eterno.
Mariah de Olivieri
Filósofa, Mestre em Filosofia, Artista Plástica, Estudante de Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
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